A crise e a sustentabilidade

Público, 27/05/2013
Nem sempre consumir menos e mais racionalmente é sinónimo de perda.

Vale a pena ler este resumo, produzido pelo Instituto Nacional de Estatística: "Em 2012, a economia portuguesa apresentou uma capacidade de financiamento de 0,4% do PIB (necessidade de financiamento de 5,6% em 2011). Esta evolução deveu-se em larga medida à melhoria do saldo externo de bens e serviços e do saldo dos rendimentos primários.
A taxa de poupança das famílias atingiu 11,6% em 2012 (9,1% em 2011), reflectindo a redução de 3,7% da despesa de consumo superior à diminuição do rendimento disponível das famílias (variação de -0,9% em 2012). A capacidade de financiamento das famílias aumentou para 6,4% do PIB (superior em 2,3% do PIB comparativamente com 2011), devido sobretudo ao aumento da poupança corrente e à redução do investimento. (...)
A necessidade de financiamento das administrações públicas aumentou, passando de 4,4% do PIB em 2011 para 6,4%, o que reflectiu essencialmente a forte redução do saldo das transferências de capital devido à transferência de fundos de pensões de instituições bancárias para as AP ocorrida em 2011. A poupança corrente registou em 2012 um valor menos negativo que em 2011, determinado em grande medida pela redução das despesas com pessoal."
Em traços gerais, e lendo o resto do relatório, o que isto quer dizer é que as pessoas racionalizaram consumos (apesar de o rendimento disponível apenas ter baixado 0,9%, o consumo reduziu-se 3,7%), optando as famílias por poupar mais.
A política de saque das gerações futuras, assente em dívida, permitiu o crescimento desequilibrado de sectores protegidos de que resultaram estradas sem movimento, mais-valias de construção ilegítimas, hábitos de consumo e desperdício absurdos,
Como consequência da crise financeira, a produção de resíduos baixou, o consumo energético baixou e o sector primário é dos que mais crescem neste momento.
Ou seja, cumpre-se o que o movimento ambientalista sempre afirmou: a racionalidade económica e ambiental são duas faces da mesma gestão racional dos recursos.
Dir-se-á que não é isso que se passa em Portugal, o que há é simplesmente uma recessão com impacto directo na qualidade de vida das pessoas, com destaque para os desempregados. Isso é com certeza uma parte da verdade. Mas não é a verdade toda.
A política de saque das gerações futuras, assente em dívida, permitiu o crescimento desequilibrado de sectores protegidos de que resultaram estradas sem movimento, mais-valias de construção ilegítimas, hábitos de consumo e desperdício absurdos, etc.
Dolorosamente retomamos a racionalidade no uso dos recursos, paramos estradas pouco úteis, fechamos cafés manhosos, levamos o almoço para o trabalho, o que inevitavelmente faz crescer o desemprego no curto prazo.
Ontem encontrei um velho conhecido. Era um promotor imobiliário numa vila onde cresciam prédios como cogumelos quando eu lá vivia. Teve de fechar o escritório e veio para Lisboa, mantendo-se no mesmo ramo. Com dificuldades, mas aguentando o barco.
E com um sorriso de orelha a orelha disse-me que se tinha estreado nos transportes públicos na semana passada. "Estou encantado, nunca me tinha apercebido de como se vive muito melhor a andar de autocarro que sempre stressado no carro."
É isto. Nem sempre consumir menos e mais racionalmente é sinónimo de perda.

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