Ser ou não ser austero

Inês Teotónio Pereira
Ionline , 2013-05-18

A austeridade na educação não resulta. A austeridade cheira sempre a mofo. É uma coisa escura, triste, pesada e enfadonha
Há uma fase das crianças em que elas começam a questionar a escola e a fazer perguntas absolutamente irritantes sobre o propósito do ensino: "Porque é que eu estudo?", "Porque é que eu preciso de saber o que é a fotossíntese se vou ser futebolista?", "Já sei que o Marquês de Pombal morreu, porque é que tenho de saber o ano em que ele morreu?!"
Perante estas dúvidas metódicas só existem duas formas de voltar a pôr os nossos filhos nos carris da escola: com austeridade ou com motivação. Ou seja, à bruta ou com jeitinho. Ou confirmamos que a escola é uma coisa chata, pesada, inútil e fazemos soar o alarme: "Tens de estudar porque tens de estudar! Se não estudas ficas de castigo e não nunca vais ser ninguém na vida!"; ou optamos pelo caminho mais difícil: mostramos-lhes, com toda a paciência, dedicação e fundamento como o conhecimento os torna mais completos, mais livres, mais seguros e por isso mais felizes. Somos obrigados a sentar-nos ao lado deles e a acumular uma paciência infinita para os motivarmos. O contrário, impor apenas regras e exigir resultados, ou seja, ser austero, não resolve os problemas. Só os agrava.
A austeridade na educação não resulta. A austeridade cheira sempre a mofo. É uma coisa escura, triste, pesada e enfadonha. Sempre que se fala em austeridade chega-me ao nariz o pó que pesa e se acumula nos casarões velhos e austeros. E espirro. É como uma alergia emocional. Austeridade é uma coisa maldisposta, rezingona, pessimista. É uma enorme seca.  E não é o mesmo que boa educação, poupança, eficiência ou boa gestão. A única coisa boa da austeridade, apesar de não ser uma condição, é a seriedade. Mas pouco mais.

A austeridade é contra a nossa natureza. A nossa natureza diz que devemos ser o antónimo de austeros: em vez de graves, sóbrios, sérios, intransigentes, inflexíveis e implacáveis, devemos ser tolerantes, doces, indulgentes, descontraídos, flexíveis, pacientes e condescendentes. São estes os adjectivos próprios dos pais. No limite, para se conseguir ser um pai como deve ser, devemos estar sempre levemente ébrios. Sem pó. Leves, levezinhos e ligeiramente inconscientes. O nosso sangue é assim, doce. Não é gélido como o sangue escandinavo, amargo como o alemão, nem insonso como o inglês. Esses sim, podem ser austeros à vontade, nasceram austeros. Nós não.
Por isso é que quando nos pedem austeridade o nosso sangue lateja. Ferve de inquietude. Como? Austeridade não é uma biblioteca cheia de pó? Um estilo de móveis? O que é que isso tem a ver com a minha vida? E começamos logo a espirrar. É como se alguém nos viesse pedir que substituíssemos o futebol como desporto nacional por xadrez ou a malha por hóquei no gelo. Não faz sentido.
No nosso entender, ser austero é ser chato, triste e maldisposto. Não tem nada a ver com dinheiro, eficiência ou trabalho. É uma questão de feitio e não uma questão de gestão. E o nosso feitio não se dá com a austeridade. Podem pedir que trabalhemos mais, que gastemos menos, que poupemos muito mais e que estejamos preparados para fazer os maiores sacrifícios. Agora que sejamos austeros é que não nos peçam: nós falamos aos berros e isso é incompatível com o silêncio intransigente da austeridade.

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