As maldades da omnipotência e da auto-estima

José Luís Nunes Martins, i-online 2013-05-11
17
Existem hoje duas ideias que vão ganhando força no mundo e que ameaçam fazer ruir toda a nossa estrutura interior. Uma é a de que tudo está ao alcance de todos, ou seja, que qualquer pessoa pode fazer tudo; outra, a de que uma coisa a que chamam auto-estima é a base essencial do nosso bem estar. Tratam-se de embustes tão subtis que nem nos damos conta do mal que contraímos ao seguir estas linhas de julgamento tão aparentemente inocentes...
Ninguém pode fazer tudo. Não tenho capacidade ou possibilidade para decidir levar a minha vida por uma infinidade de opções, sou um ser limitado no tempo, no espaço, com um contexto mais ou menos definido... Pensar que posso ser quem eu quiser é, de facto, um disparate tremendo, na medida em que isso estabelece um horizonte enganador, uma ilusão má. É claro que não podemos fazer tudo, nem metade!, mas podemos e devemos ser felizes dentro das nossas possibilidades reais, porque se pode sempre viver feliz. Sempre. Mesmo e principalmente nos dias e noites em que é a própria tristeza que nos acorda e adormece...
A auto-estima não é a base da identidade nem de qualquer relação. Talvez a base, sim, mas de algo maléfico... pois que aquele que se quer bastar a si mesmo anda em sentido oposto ao que devia. O ser humano só se encontra através da partilha, da ajuda ao próximo, do amor... nunca em atividades de auto-satisfação onde o prazer próprio é o fim que se deseja.
Hoje há cada vez mais gente que procura a auto-ajuda por aquilo que chamam problemas de auto-estima... ora, para além da evidente contradição que aqui é manifesta (procurar fora a auto-ajuda), isso merece uma reflexão ligeiramente mais funda. Será que a raíz deste mal de solidões feito não é a ideia de que podemos tudo? quase como se fossemos deuses? Alguém que se convence de que tem tudo ao seu alcance e que depois verifica que tem apenas uma migalha disso, deprimir-se-á necessariamente!
O que parece absolutamente perverso é que as pessoas que assim partem em busca da tal auto-ajuda encontrem como linha mestra a ideia de que... imagine-se: tudo está ao teu alcance! Tu podes fazer e ser tudo! A tua vida pode ser apenas uma sucessão de alegrias... Começa por desejar e orienta a tua vida nesse sentido... ora, isto é assustador! Porque a vida de quem nisso acredita tenderá, inexoravelmente, a piorar ainda mais a médio prazo...
O que as pessoas procuram na verdade não é a auto-estima mas sim o amor. Todos temos uma espécie de guarda partilhada de nós mesmos. Precisamos do outro, precisamos do amor que lhe podemos sempre dar. Mais, é aí que encontraremos o que nos fará transbordar o coração... quando a felicidade do outro acontece. Quando ele é feliz, nós seremos também!!!
Não nascemos nem sós nem para ser sós. A auto-estima é um embuste, tão contraditório como o amor próprio... os nossos braços, abraços, sorrisos e coração são para dar... não servem para nada de bom a nós mesmos. Se queremos ser felizes precisamos dos braços, abraços, sorrisos e coração de alguém... são as nossas carências que nos dão acesso ao Infinito.
A base da nossa infelicidade é o desejo de nos fazermos a nós mesmos felizes. Entreguemo-nos a quem ama, a Deus e a todos os que connosco entrelaçam, das mais variadas formas, as suas vidas.
Ninguém se ama a si mesmo. Não podemos tudo. Mas podemos, e devemos, ser felizes esquecendo-nos de nós próprios e amando de forma pura e simples. Sem lógicas de reciprocidade. Isso sim é tudo quanto precisamos para vivermos uma vida plena de uma alegria profunda. Por entre muitos dias e noites de tempestade...
É quando nos damos aos outros que nos recebemos a nós mesmos.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

OS JOVENS DE HOJE segundo Sócrates

Hino da Padroeira

O passeio de Santo António