A solidão
Isilda Pegado
Voz da Verdade, 2013-05-12
2 – Mas, esta forma de pensar aplicada à Família continha um certo cheiro a emancipação da família de origem (dois noivos) e também o apontar para o que se chamava a "família nuclear". Isto é, a família era pai, mãe e filhos. O casamento dava origem a uma nova família, distinta daquelas de onde provinham os noivos. E apartada destas.
3 – Há uma verdade inquestionável nesta forma de olhar a família. A economia, a sociedade estavam em mudança, e por isso parecia adequado a novas realidades urbanísticas – grandes e novos bairros urbanos – migração do campo para as cidades, etc., etc.
E era também um reagir "à sogra" ou ao "pai" que em gerações anteriores cometiam os excessos de mandar na casa e na vida dos filhos, até à cova. Com conflitos às vezes de difícil gestão.
4 – Mas a par desta concepção de família nuclear muitas outras formas de agir em sociedade foram aparecendo, e que cada vez mais reduzem o sentido gregário do homem e da mulher e o reduzem a um ser isolado. Os tradicionais corpos sociais intermédios foram perdendo a sua acção. Refiro, para além da Família, da Igreja, das Associações, da Universidade, da Escola e até dos Sindicatos.
5 – A reforma e o futuro na velhice, deixou de ser preocupação de poupança do próprio e de cuidados de família, para ser entregue ao Estado. Este através de pensões e serviços sociais cuida dos idosos (pensamos nós)… por ora ...
6 – A escola e a primeira infância foi paulatina e totalmente entregue ao Estado que "cuida" dos nossos filhos das 8 horas às 18 horas (quando não mais), deixando aos pais o jantar, o banho e o deitar.
7 – Os jovens e os casais em início de vida familiar, passaram a ter desde meados dos anos 80, os jogos electrónicos onde "passam" fins-de-semana e noites intermináveis, as discotecas com música ensurdecedora, onde ninguém pode falar, a internet e o Facebook... Tudo coisas "boas" para o isolamento a que estamos votados.
8 – Nos tribunais, facilmente se ouve dizer que testemunhas não existem porque "a vida" é de cada um e os outros não se metem.
Nos processos em que as crianças ditas em risco, são retiradas às famílias e institucionalizadas há quase sempre uma ausência de avós, tios ou demais familiares que possam apoiar e ajudar. Isto é, falta família amiga. Não raras vezes ouvimos "A Segurança Social já está nisto, não me meto".
9 – Os novos bairros, onde cada um entra e sai de casa sem se cruzar com quem tem paredes-meias, onde falta o jardim, o pequeno comércio e a Igreja, vemos que anonimamente, cada um vai para o "Centro Comercial", consumir o tempo que passa.
10 – A par deste mundo exterior fomos construindo um mundo de direitos individuais que se confrontam e sobrepõem aos direitos do outro e aos direitos colectivos. Hoje o individualismo é uma realidade, que se tornou doutrina em especial no campo de valores. O aborto e o divórcio multiplicam-se por razões individuais.
11 – O reverso da medalha é cinzento e dramático. A solidão em que estamos mergulhados torna-se asfixiante e castradora do homem. Jovens da mesma idade, não têm motivo para conversa e os tempos passados em conjunto são para proferir monossílabos "tá, pá, ya, tá-se, …"
Marido e mulher dialogam com muita dificuldade. Falta-lhes objecto de conversa.
Não quero continuar este rosário triste de solidão.
12 – Porque é possível inventar, criar, desenhar, experimentar, vivenciar … outras formas de vida. Sem saudosismo. Mas descobrindo o Bom que é o homem e a mulher. O mundo maravilhoso que cada um dos que está ao meu lado é, e que posso partilhar.
A alegria e a beleza da companhia humana, da amizade, faz muito do que desejamos. Basta querer, basta desejar. No Centro Comercial não se vende, mas no local de trabalho, na escola, na família, na Igreja dá-se e recebe-se companhia e amizade.
Presidente da Federação Portuguesa pela Vida
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