Elite antidemocrática
JOÃO CÉSAR DAS NEVES
DN2013-05-13
Começou há poucos dias o 40.º ano da nossa democracia. O 25 de Abril é um sucesso estrondoso, que devemos celebrar com alegria. Nunca na história de Portugal uma revolução democrática atingiu tal longevidade, caindo sempre rapidamente no caos ou na podridão. Após séculos de lutas, desorientação ou ditadura, Portugal é desde 1974 um país livre, seguro e equilibrado.
Apesar da evidência, muita gente duvida. Esses, segundo parece, só se contentam com o regime perfeito, sem crises ou dificuldades. Quando estas surgem, como em todo o lado, deduzem que o sistema está errado e querem mudar.Esta tolice é aquela que arruinou Portugal durante 150 anos, na busca incessante do sistema ideal, que gerou dor e sofrimento para todos.
É preciso dizer que, apesar dos disparates, o regime está sólido e celebrará ainda muitos anos. O povo português lembra-se dos terríveis erros antigos e está grato por finalmente os termos vencido. A população resmunga, mas ajusta-se e encontra solução.O problema, hoje como sempre, está nas elites e intelectuais, que capitanearam o longo delírio político de 1820 a 1974.
A nossa elite é intimamente avessa aos princípios básicos da democracia. Mesmo se ultimamente adoptou a versão oficial, exteriormente democrática, que por vezes até parecia sincera, a crise actual veio revelar as suas reais tendências. As origens da atitude são velhas, profundas e estruturais, manifestando-se claramente em todas as épocas.
A essência da democracia, na política como na economia, é competição, alternativa, desportivismo. Que todos tenham oportunidade de se apresentarem e ganhe, não o melhor, que ninguém sabe quem é, mas aquele que a sociedade preferir. Ora, os nossos pensadores e dirigentes há séculos que são eminentemente proteccionistas, corporativos, clientelares. A sua visão é aristocrática, egoísta, manipuladora. Consideram-se geniais e desprezam as massas ignaras e o País, que nunca os mereceu. Visceralmente avessos à incerteza das eleições e mercados, preferem arranjinhos de bastidores, batota do árbitro comprado, garantia de progra- mas de apoio.
Esta atitude de fundo sempre se manifestou no campo económico com uma posição abertamente anticapitalista.Do jacobinismo republicano ao corporativismo salazarista e à social-democracia do PS e do PSD, a elite nacional repudia sem rebuço a incerta economia de mercado, preferindo a versão dirigista e regulamentar. No campo político, pelo contrário, o discurso tem sido mais diversificado. Aí é preciso ir ajustando as expressões, para não chocar as conveniências de cada época.
É verdade que mesmo após Abril permaneceu viva, sobretudo na extrema-esquerda, uma doutrina claramente antidemocrática. A corrente principal da elite, no entanto, dizia-se nominalmente defensora de um regime aberto e europeu. Isso não impediu, naturalmente, a captura corporativa do sistema que alimentou a dívida galopante.Agora que os resultados da loucura rebentaram, vemos as personalidades mais insuspeitas apregoarem propostas perversas, sem a menor vergonha de negarem aquilo que sempre disseram defender.
As actuais imprecações antidemocráticas partem sempre do repúdio do Governo, alegadamente povoado de mentecaptos perversos empenhados na demolição nacional. O facto de essas políticas virem não do arbítrio de ministros tolos, mas da orientação de instituições internacionais reputadas, a quem os críticos sempre proclamaram uma adesão incondicional, não parece fazer a menor diferença. A única solução, segundo eles, é subverter as instituições, derrubar a maioria legítima, convocar eleições subversivas.Nem sequer entendem que essa mesma proposta minaria a legitimidade do Governo daí resultante, o qual, aliás, não teria outro remédio senão continuar na mesma linha de austeridade.
As nossas elites são profundamente antidemocráticas. É por isso que durante séculos esse regime nunca vingou por cá. Desta vez talvez haja esperança. O povo, que sempre teve uma saudável desconfiança das elites, já vive o 40.º ano depois de Abril.
DN2013-05-13
Começou há poucos dias o 40.º ano da nossa democracia. O 25 de Abril é um sucesso estrondoso, que devemos celebrar com alegria. Nunca na história de Portugal uma revolução democrática atingiu tal longevidade, caindo sempre rapidamente no caos ou na podridão. Após séculos de lutas, desorientação ou ditadura, Portugal é desde 1974 um país livre, seguro e equilibrado.
Apesar da evidência, muita gente duvida. Esses, segundo parece, só se contentam com o regime perfeito, sem crises ou dificuldades. Quando estas surgem, como em todo o lado, deduzem que o sistema está errado e querem mudar.Esta tolice é aquela que arruinou Portugal durante 150 anos, na busca incessante do sistema ideal, que gerou dor e sofrimento para todos.
É preciso dizer que, apesar dos disparates, o regime está sólido e celebrará ainda muitos anos. O povo português lembra-se dos terríveis erros antigos e está grato por finalmente os termos vencido. A população resmunga, mas ajusta-se e encontra solução.O problema, hoje como sempre, está nas elites e intelectuais, que capitanearam o longo delírio político de 1820 a 1974.
A nossa elite é intimamente avessa aos princípios básicos da democracia. Mesmo se ultimamente adoptou a versão oficial, exteriormente democrática, que por vezes até parecia sincera, a crise actual veio revelar as suas reais tendências. As origens da atitude são velhas, profundas e estruturais, manifestando-se claramente em todas as épocas.
A essência da democracia, na política como na economia, é competição, alternativa, desportivismo. Que todos tenham oportunidade de se apresentarem e ganhe, não o melhor, que ninguém sabe quem é, mas aquele que a sociedade preferir. Ora, os nossos pensadores e dirigentes há séculos que são eminentemente proteccionistas, corporativos, clientelares. A sua visão é aristocrática, egoísta, manipuladora. Consideram-se geniais e desprezam as massas ignaras e o País, que nunca os mereceu. Visceralmente avessos à incerteza das eleições e mercados, preferem arranjinhos de bastidores, batota do árbitro comprado, garantia de progra- mas de apoio.
Esta atitude de fundo sempre se manifestou no campo económico com uma posição abertamente anticapitalista.Do jacobinismo republicano ao corporativismo salazarista e à social-democracia do PS e do PSD, a elite nacional repudia sem rebuço a incerta economia de mercado, preferindo a versão dirigista e regulamentar. No campo político, pelo contrário, o discurso tem sido mais diversificado. Aí é preciso ir ajustando as expressões, para não chocar as conveniências de cada época.
É verdade que mesmo após Abril permaneceu viva, sobretudo na extrema-esquerda, uma doutrina claramente antidemocrática. A corrente principal da elite, no entanto, dizia-se nominalmente defensora de um regime aberto e europeu. Isso não impediu, naturalmente, a captura corporativa do sistema que alimentou a dívida galopante.Agora que os resultados da loucura rebentaram, vemos as personalidades mais insuspeitas apregoarem propostas perversas, sem a menor vergonha de negarem aquilo que sempre disseram defender.
As actuais imprecações antidemocráticas partem sempre do repúdio do Governo, alegadamente povoado de mentecaptos perversos empenhados na demolição nacional. O facto de essas políticas virem não do arbítrio de ministros tolos, mas da orientação de instituições internacionais reputadas, a quem os críticos sempre proclamaram uma adesão incondicional, não parece fazer a menor diferença. A única solução, segundo eles, é subverter as instituições, derrubar a maioria legítima, convocar eleições subversivas.Nem sequer entendem que essa mesma proposta minaria a legitimidade do Governo daí resultante, o qual, aliás, não teria outro remédio senão continuar na mesma linha de austeridade.
As nossas elites são profundamente antidemocráticas. É por isso que durante séculos esse regime nunca vingou por cá. Desta vez talvez haja esperança. O povo, que sempre teve uma saudável desconfiança das elites, já vive o 40.º ano depois de Abril.
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