Miopia americana

Miguel Monjardino
Expresso 2016.03.12

A nossa miopia em relação aos EUA está a aumentar. Olhamos cada vez mais para as eleições primárias mas adotámos um ponto de vista peculiar. Praticamente todas as notícias que lemos sobre o tema são sobre a cavalgada de Donald Trump como candidato do Partido Republicano. Há muito menos notícias sobre Bernie Sanders, o senador socialista do Vermont que continua a fazer uma grande campanha política. 
À primeira vista isto faz sentido. Trump é um demagogo populista que apela ao medo e aos preconceitos de uma parte do eleitorado republicano para dividir o país ainda mais. Em 2008, Barack Obama mostrou-nos as possibilidades de uns EUA confiantes a nível interno e externo. Os líderes internacionais acotovelaram-se para tirar uma fotografia ao seu lado. Oito anos depois, Trump apresenta-nos um país completamente diferente. Quem é que quer ser fotografado ao lado do demagogo loiro de Nova Iorque? Assim de repente consigo lembrar-me de Vladimir Putin, Marine Le Pen, Viktor Orbán, Kim Jong-un e Adbel-Fattah el-Sisi. 
O problema é que se não prestarmos atenção a Sanders teremos muita dificuldade em compreender o que é que está a acontecer do outro lado do Atlântico. Um país como Portugal que depende tanto da ordem internacional liberal e da globalização não deve cometer este erro. Esta é uma boa semana para começarmos a corrigir a nossa miopia. 
Para surpresa geral e contra todas as sondagens, Sanders ganhou as primárias no Michigan a Hillary Clinton. Vale a pena ver quem é que o apoiou — os jovens com cursos universitários e idades entre os 18-29 anos e a classe média trabalhadora branca. Os primeiros apoiaram o senador do Vermont de forma esmagadora — 81% contra 18% a favor de Clinton. 
As críticas ferozes de Sanders aos acordos de comércio internacionais permitiram-lhe dividir os votos do segundo grupo com Hillary Clinton. Sessenta por cento dos votantes democratas no Michigan acham que estes acordos causam desemprego nos EUA. Aqui Sanders ficou vinte pontos à frente da sua rival. Não deixa de ser irónico notar que isto acontece num estado onde as empresas chinesas investiram três mil milhões de dólares nos últimos quinze anos e criaram novos empregos. 
Passamos a vida a falar de Trump mas até agora ele tem 458 delegados. Sanders está nos 571. A nomeação pelos democratas exige mais votos do que a dos republicanos mas, mesmo assim, vale a pena pensar no que tudo isto significa. 
2016 é o ano da eleição presidencial mais tumultuosa desde 1968. Trump e Sanders são pessoas muito diferentes. O segundo é bem melhor do que primeiro em termos humanos. Dito isto, ambos lideram verdadeiras insurreições contras as elites que dominam os seus partidos. Trump defende um populismo autoritário para resolver os problemas do país. Sanders é um populista económico. Os apoiantes dos dois acham que o sistema político deixou de funcionar e que o comércio internacional prejudica os EUA. Trump e Sanders propõem soluções simples para problemas que não devemos desvalorizar. Acham que conseguem prever e controlar as repercussões internacionais das suas opções. Aqui estão errados. Porém, representam bem uma América que não podemos ignorar.

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