Rouba, mas é dos nossos. A inteligência corrompida

Ana Sá Lopes | online 2016.03.21
Uma das coisas mais execráveis que o debate sobre o caso Lula da Silva tem vindo trazer ao de cima – nomeadamente em Portugal – é a teoria da duplicidade relativamente aos casos da corrupção.
Se o potencial corrupto é “um dos nossos” trata-se invariavelmente de uma cabala; se o potencial corrupto é um adversário político, deve ser linchado. Este maniqueísmo, que corrompe a inteligência, está espalhado na sociedade e atravessa todos os quadrantes políticos. É evidente que vive da enorme tolerância com que, tanto em Portugal como no Brasil, as elites convivem com o fenómeno da corrupção.
Em Portugal, o caso Sócrates foi exemplar a este respeito. Com a excepção de António Costa que decidiu manter-se à margem do que ia decorrendo na justiça, boa parte do PS preferiu ignorar, ser surdo, analfabeto, invertendo o famoso verso de Sophia de Mello Breyner – “Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar”. À medida que a informação ia sendo divulgada, os adeptos do ex-primeiro-ministro foram acusando a justiça de “golpe” (aliás, Sócrates chegou a afirmar-se um preso político e já chegou a admitir que o processo visava a derrota eleitoral do PS nas legislativas). Os “verdadeiros culpados” eram os jornais que divulgavam a vida de luxo que Sócrates que, segundo a declaração entregue no Tribunal Constitucional, não dispunha de nenhuma fonte de rendimento, levava em Paris. Uma grande parte dos militantes socialistas não quis parar por um minuto para pensar se era normal um primeiro-ministro viver assim. Os partidos nunca quiseram discutir o assunto, com o célebre “à política o que é da política, à justiça o que é da justiça”. Mas a questão da corrupção em exercício de cargo público é eminentemente política. Mas Portugal – e o Brasil – não estão preparados para discutir o assunto como cidadãos adultos.
P.S. Os Estados Unidos apoiaram ditadores sanguinários na América Latina em nome do combate ao comunismo. Ignorar a questão Lula em nome dos seus primeiros anos e da glória do PT é fazer o mesmo, ao contrário.

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