O fio da meada
José Maria C.S. André
Correio dos Açores, Verdadeiro Olhar, ABC Portuguese Canadian Newspaper, Spe Deus, 27-III-2016
As notícias do Vaticano atropelam-se,
com novos livros e documentos a sair a cada momento. Destaco três: o livro «O
Nome de Deus é Misericórdia», com uma entrevista ao Papa Francisco; uma lição de
Bento XVI, também sob a forma de entrevista, e a Exortação de 200 páginas
«Sobre a Família Hoje» promulgada pelo Papa Francisco.
Qual é o fio da meada deste
turbilhão editorial?
«O Nome de Deus é Misericórdia»
é leitura obrigatória para perceber a Igreja do século XXI e o actual
pontificado. Formalmente, é uma entrevista; na realidade é uma síntese, em
primeira pessoa, do pensamento de Francisco. O tema central é a reconciliação, o
actual ano jubilar dedicado à misericórdia, a pacificação das relações sociais
e internacionais, mas sobretudo aquilo que o Papa considera o elemento característico
da reconciliação: a Confissão. As explicações são vivas e claras. Por exemplo,
acerca da razão para nos confessarmos a um padre em vez de só pedirmos perdão a
Deus. São abundantes os neologismos e os «slogans». Por exemplo, «pecadores
sim, corruptos não!»: não interessa se as faltas são grandes ou pequenas; pecadores
são aqueles que se arrependem e se confessam, corruptos são aqueles que acham
que não precisam de se confessar. O Papa alegra-se porque o número de
confissões está a aumentar no mundo. Já na Bula do Ano da Misericórdia tinha falado
de «tantas pessoas que se estão a aproximar do sacramento da Reconciliação,
especialmente muitos jovens... coloquemos novamente no centro, com convicção, o
sacramento da Reconciliação, porque permite tocar com a mão a grandeza da
misericórdia» («Misericordiæ vultus», 17). Quando o jornalista lhe pergunta o
que espera do ano jubilar, o Papa responde: que cada cristão faça uma confissão
bem feita.
A entrevista a Bento XVI é uma
peça rara, porque o Papa emérito decidiu que a sua actual função é rezar e não
discursar. A entrevista dirige-se a um congresso de teologia reunido em Roma e
vários dos argumentos inserem-se em discussões teológicas um pouco técnicas. No
entanto, o texto tem interesse para o público em geral, sobretudo por dois
pontos. Primeiro, que a insistência de Francisco na misericórdia é um «sinal
dos tempos», em sentido teológico, ou seja, uma intervenção do Espírito Santo
na história da Igreja. Segundo, evangelizar o mundo é um dever de lealdade e de
amor para com Jesus Cristo.
O Papa Francisco promulgou
a Exortação pós-sinodal sobre a família no dia 19 de Março, festa de S. José. Já
se pode reservar, mas vai demorar uns dias a chegar às livrarias. Recentemente,
em Lisboa, o Presidente do Pontifício Conselho para a Família deu a primeira
notícia: trata-se de um «hino ao amor», de uma afirmação da beleza da vida
familiar, de um encorajamento a comprometermo-nos num amor mais forte. O
próprio Papa acrescentou algumas explicações: Deus perdoa todos os erros dos
homens, ama-nos mais do que podemos imaginar. Ninguém deve pensar que a sua
vida está tão embrulhada que não tem solução, como se a saída justa fosse
demasiado difícil para o próprio ou para os outros. Mesmo que a pessoa não
esteja de momento em condições de comungar, há um caminho a percorrer cheio de
confiança. É preciso pedir ajuda a Deus. E o Deus da Misericórdia dará a
coragem e mostrará em cada caso o caminho, que é também o caminho do Céu.
O Papa escreve um hino ao
amor verdadeiro, quando alguns esperavam que a Igreja declarasse guerra a si
própria. O Cardeal Müller (colaborador próximo do Papa, responsável pela
Congregação para a Doutrina da Fé) justifica – num livro que também acaba de
sair – que «a misericórdia não é renunciar aos Mandamentos de Deus (...). O
maior escândalo da Igreja seria ela desistir de chamar pelo nome a diferença
entre o bem e o mal (...)». Em resumo, o nome da misericórdia é conversão.
Por estes dias, o Arcebispo
Georg Gänswein (que trabalha com Francisco como Prefeito da Casa Pontifícia e
continua a ser o secretário de Bento XVI) deu uma longa entrevista à emissora
alemã «Deutsche Welle», que também vale a pena mencionar, sobretudo pelas
referências à sintonia entre o Papa actual e o Papa emérito, e porque antecipa
que a Exortação que está a chegar às bancas se situa nessa linha.
Comentários