Marcelo e o fim da esquerda

HENRIQUE MONTEIRO
Expresso, 2016.03.12

Aparentemente, o PS gostou do discurso do Presidente. Eu também gostei, mas não sei se ficaria tão entusiasmado caso fosse um fervoroso apoiante do Governo. É que os “afetos” e a simpatia unem quem gosta da unidade, mas separam os adeptos de outras vias. 
Até esta semana a famosa “geringonça” tinha duas razões de existir — nenhuma delas era, seguramente, um orçamento que não se distingue muito dos anteriores. Essas razões eram Passos e Cavaco, os ódios de estimação da esquerda, que a maioria do povo não erigia em exemplos. Agora, um deles foi para a reforma e o outro está a ‘social-democratizar-se’. A face visível da direita, ou do que resta dela, é Marcelo Rebelo de Sousa e deste o povo gosta. Gostando o povo, o PS não pode tratá-lo como tratava Cavaco (não falo da direção do Governo ou do partido, mas da voz corrente dos seus apoiantes). Mas o PCP e o Bloco não podem alinhar na mesma onda. Até porque a agenda — nem sequer escondida — de Marcelo é o apelo ao centro. E esse apelo não tem o sabor de vingança ou de fim da desfeita que o PS pregou ao vencedor das eleições, Passos Coelho; nem o aspeto requentado de Cavaco Silva, que tinha no currículo ter deitado abaixo o único governo do ‘Bloco Central’. O apelo de Marcelo tem um lado moderno e conciliador — vá lá, rapazes, vamos entender-nos para superar esta crise! Não podemos passar a vida nisto! 
Não sei (não sabe ninguém, como diz o fado) até que ponto Marcelo levará a sua avante. Mas o que prometeu é suficiente para nos pôr a pensar no velho provérbio “não é com vinagre que se apanham moscas”. Se o novo Presidente tem o mel suficiente para as apanhar veremos, mas o que se sabe é que, tanto à esquerda como à direita, causou preocupações. Uns veem a hipótese de acordos que os põem, de novo, fora da esfera do poder; outros sabem que com tais acordos não serão eles os protagonistas desse poder. 
Em suma, tem Marcelo um guião que pode resultar? Não tenho a certeza, mas confio em algo que, em si mesmo, é importante: é preciso acabar com o clima de confronto que tem havido. É importante que haja acordos transgeracionais; é fundamental que o país não seja determinado por radicais. 
Este é o grande desafio de Marcelo. Desarmar a “geringonça”, não para voltar ao que era dantes, mas para construir algo diferente. Talvez seja, de facto, o homem certo no lugar certo.

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