Afinal, quem matou Jesus de Nazaré?
P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Observador 20160326
Cristo não foi morto pelos judeus, mas pelos romanos, por Pôncio Pilatos e os seus soldados. Como explicar então que o primeiro Papa tenha ido viver na capital da pátria dos assassinos de Jesus?
A pergunta pode parecer banal, mas a resposta decerto que o não é. De facto, todos os anos, por ocasião da Páscoa, quando os cristãos evocam liturgicamente a paixão, morte e ressurreição de Jesus de Nazaré, se recorda o que parece ser uma evidência histórica: Cristo foi morto pelos judeus. Mas, foi-o de facto?
A verdade histórica não corrobora esse rumor bimilenário que, por sinal, tem até algo de paradoxal porque, nesse caso, tanto seriam judeus os assassinos como a vítima. De facto, Jesus sempre honrou a sua condição de judeu, bem como as tradições históricas e religiosas do seu povo: foi durante a páscoa judaica, que ele antecipadamente celebrou com os seus discípulos, que ocorreu a sua paixão e morte. Aliás, judeus eram também Maria, sua mãe, e o respectivo esposo, José, bem como os seus primos, por vezes mencionados na Bíblia como seus irmãos. Também os doze apóstolos eram todos judeus e, portanto, não fazia muito sentido que eles próprios atribuíssem ao seu povo a responsabilidade histórica pela morte do Messias.
Poder-se-ia porventura afirmar que, mesmo não tendo sido os judeus, enquanto povo, os autores da morte de Cristo, o foram nas pessoas dos anciãos, sacerdotes e escribas. É verdade que Jesus de Nazaré sofreu a oposição desse grupo e que foi julgado e condenado pelo Sinédrio. Contudo, muito embora o tivessem considerado réu da pena máxima, não foram eles que o crucificarem, nem lhe deram morte, como fizeram, pouco depois, a Santo Estêvão, o protomártir cristão, delapidado por blasfémia, às portas de Jerusalém, pelos fariseus, entre os quais se contava Saulo de Tarso, o futuro São Paulo.
Também não foi o rei Herodes quem mandou matar Jesus, mas foi o responsável pelo assassinato de João Baptista, primo de Cristo. De facto, o governador romano, sabendo que Jesus era conhecido como sendo de Nazaré e, portanto, tido por galileu, embora nascido em Belém de Judá, remeteu-o a Herodes, para que ele o julgasse. O rei, tendo-o interrogado, nele não encontrou nenhuma culpa e, por isso o devolveu à procedência.
Portanto, de acordo com os relatos bíblicos e outras fontes históricas, a responsabilidade jurídica e moral pela morte de Cristo deve ser atribuída a Pôncio Pilatos que, sabendo-o inocente, condenou-o a ser flagelado e crucificado. Que Pilatos tinha consciência da sua responsabilidade nesse processo iníquo é o que se prova pelas palavras que então proferiu, enquanto lavava as mãos e sujava a sua consciência. Com efeito, se se declarou inocente do sangue daquele justo é porque se sabia responsável e queria iludir a sua culpa: como afirma um conhecido adágio jurídico, uma desculpa não pedida indicia uma manifesta acusação.
Não só Pôncio Pilatos foi o principal responsável pela morte de Cristo, como foram também romanos os executores da pena capital, nomeadamente o centurião e os soldados que crucificaram Cristo entre dois ladrões. Tratando-se de uma missão tão melindrosa, é evidente que o governador imperial não poderia correr o risco de que não fosse executada de acordo com as suas ordens, o que poderia ter acontecido se a mesma tivesse sido confiada a judeus. Com efeito, alguns destes eram furiosos inimigos de Cristo, enquanto outros eram seus devotos seguidores: uns e outros, pelo seu ódio ou devoção, poderiam contrariar, por excesso ou defeito, a execução da pena. Os fariseus, exagerando nos sofrimentos a infligir ao condenado à pena capital; os cristãos, aproveitando a ocasião para libertarem o seu Mestre e Senhor.
Portanto, se foi o governador romano quem decidiu a condenação à morte de Cristo e romanos foram também os soldados que cumpriram essa sentença, foram os romanos que mataram Jesus! Ora, se assim foi de facto, como explicar que o primeiro Papa se tenha querido estabelecer, enquanto bispo de Roma, na pátria dos assassinos de Jesus?! Mais ainda, na capital do império que, durante três séculos, perseguirá impiedosamente os cristãos!? Que Pedro tenha querido fazer de Roma a sede da Igreja universal, que por isso ainda hoje se diz romana, parece tão lógico e sensato quanto seria, por absurdo, a autoridade palestiniana instalar-se mesmo à frente da sede do governo israelita, ou do seu quartel-general …
Talvez a escolha de Roma para sede da cristandade tenha obedecido a razões práticas porque, sendo a capital do império romano, estaria muito bem comunicada com todo o mundo então conhecido. Mas também pode ter obedecido a uma razão mais profunda: para que a culpa dos romanos, pela morte de Jesus, não infamasse para sempre a cidade e os habitantes de Roma, o primeiro Papa e os seus sucessores até ao presente quiseram dar-lhe a singular honra de aí residirem. Por esta razão, a cidade eterna, como nenhuma outra, testemunha a misericórdia do perdão e amor de Jesus Cristo e da sua Igreja!
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