O país onde todos os gatos são pardos
Rui Ramos | Observador | 18/3/2016
O deputado Carlos César anunciou esta semana uma diminuição da despesa pública no PIB, ao contrário do que teria acontecido com a direita no poder. É o PS neo-liberal? Foi o PSD socialista?
Quem ouviu o deputado João Oliveira durante a votação final do orçamento, percebeu que um espectro assusta o PCP: o espectro de um PSD e de um CDS que tenham conseguido “limpar a imagem” e fazer esquecer a “austeridade”. As noites sem sono de Oliveira e dos seus camaradas têm razão de ser: Paulo Portas foi-se embora, o CDS distancia-se aqui e ali do PSD, e o PSD, embora sempre com Passos Coelho, faz-se “social-democrata”. Ao PCP, dava jeito que o CDS e o PSD se prestassem a desempenhar o papel de versão “neo-liberal” do Estado Islâmico. Pouca sorte. Mas do lado do PSD e do CDS, a frustração não é menor. Também a eles lhes daria imenso jeito que o PCP continuasse a defender a saída do Euro, que o BE insistisse no repúdio da dívida, ou que o PS não tivesse já desistido dos tais berros que ia dar à chanceler Merkel… Mas também o PCP, o BE e o PS pretendem “limpar a imagem” e fazer esquecer a bancarrota e a irresponsabilidade de 2011.
Depois de Outubro do ano passado, ficámos à espera de uma enorme polarização política em Portugal. Íamos finalmente discutir política como discutimos futebol: Benfica versus Sporting (ou Futebol Clube do Porto). Mas eis que nunca se falou tanto de “grandes consensos”. E tal como o PSD sempre quis ter o PS a partilhar o programa da Troika, foi agora a ver de o PS pretender que o PSD “melhorasse” o seu orçamento.
A toda a gente daria jeito que os outros se radicalizassem, mas todos se moderam. Nada disto nos devia surpreender. O facto é que os abismos ideológicos que andamos a inventar há cinco anos nunca, de facto, existiram. Foi com o PS que começaram os “cortes” e chegou a Troika. Foi com o PSD e o CDS que começaram os alívios e se evitaram reformas. Nada bate certo com o que vem nos manuais. Por exemplo: o deputado Carlos César anunciou esta semana uma diminuição da despesa pública no PIB, ao contrário do que teria acontecido com a direita no poder. É o PS neo-liberal? Foi o PSD socialista? Não, eles não são todos iguais: simplesmente, estão todos na mesma situação. Fazem o que podem e só o que podem: cortaram quando não havia, dão agora porque há, e hão-de cortar outra vez quando deixar de haver.
O que aconteceu nos últimos anos, no que diz respeito a ideologias e programas, não foi uma radicalização, mas uma grande “moderação”. As esquerdas avançaram para o poder às arrecuas, renunciando. O PCP era pela saída do euro, o Bloco pela “reestruturação” da dívida. Em 2011, recusaram-se até a falar à Troika. Mas agora, o PCP já não discute o Euro, o Bloco deixa a dívida em paz, e ambos, através do governo, pactuam com todas as troikas do mundo. Muito naturalmente, o PSD e o CDS preparam-se para seguir a mesma receita. Ei-los, desde já, preocupados com as “desigualdades”.
O que alimenta o debate político? A fantasia. O PS e os seus aliados continuam a fingir que o PSD e o CDS impuseram ao país uma austeridade desnecessária. Jamais reconhecerão que foi o governo anterior, ao executar o ajustamento, que permitiu o alívio da austeridade que já se sentiu em 2015. Pelo seu lado, o PSD e o CDS parecem esperar que o PS e os seus aliados, por ingenuidade doutrinária, repitam 2011 já amanhã. Deviam lembrar-se que a necessidade de poder dos partidos que apoiam o actual governo é demasiado grande: justificou a emergência da actual maioria e há-de justificar, muito provavelmente, as “medidas adicionais” que já andam a ser estudadas.
Não estamos em Portugal perante um confronto ideológico, mas perante um frenesim faccioso, sob protecção da enorme bolha monetária criada pelo BCE. Neste lusco-fusco financeiro, todos os gatos são politicamente pardos.
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