Uma rajada de mistério e de fé
O escritor espanhol Alejandro Casona, na sua peça mais
conhecida “As árvores morrem de pé”, cria uma organização para cuidar dos
sonhos e da felicidade das pessoas; não de uma realidade teórica e distante do
mundo, mas efectiva, para gente concreta. Os seus membros saem pelas ruas da
cidade, ao encontro destas pessoas concretas, ajudando ladrões e pescadores,
empresários e palhaços. Ao procurar descrever a acção desta organização, o
personagem principal diz: “Não se trata
de asilo ou de um pedaço de pão. O que estamos tentando aqui é uma beneficência
pública para a alma. Dos males do corpo já muitos se ocupam. Mas quem pensou
nos que morrem sem uma recordação feliz? Nos que nunca viram realizado um
sonho? Nos que nunca se sentiram estremecidos por uma rajada de mistério e de
fé?”
É esta rajada de
mistério e de fé que o Pedro Aguiar Pinto nos trazia todos os dias com o Povo. Em cada texto enviado, em cada
selecção de notícias ou de artigos de opinião, possibilitou-nos uma forma
diferente de olhar o mundo, abrindo-nos o coração ao mistério e dando-nos o
testemunho da sua fé, feita vida.
Quando alguém nos apresenta uma pessoa que se torna
importante na nossa vida, quando nos dão a conhecer um livro novo que passa a
ser parte de nós, quando nos proporcionam uma experiência que nos marca e nos
enriquece, faltam as palavras para descrever a gratidão por estas dádivas que
em nós se fizeram vida.
É essa a posição em que me encontro, pessoalmente e enquanto
presidente do núcleo diocesano de Lisboa da Associação dos Médicos Católicos,
sem palavras que consigam expressar a gratidão pelo testemunho pessoal que nos
deu, pela partilha de tantos autores e pensamentos, mas, acima de tudo, por ter
trazido, em cada dia, no meio dos nossos afazeres, um momento de fé. Todos os
dias Deus irrompia na lista dos muitos e-mails recebidos e, de alguma forma, reorganizava
todas as prioridades, trazia uma luz nova ao trabalho e ao mundo.
Se, perante o seu desaparecimento deste mundo faltam as
palavras, fica a contemplação do mistério e a certeza viva da fé que nos
ensinou a cultivar e testemunhou sempre com o seu exemplo.
Depois de termos estado pessoalmente presentes nas
cerimónias do seu “adeus”, não quero deixar de, por escrito, em nome da
Associação dos Médicos Católicos Portugueses do núcleo Diocesano de Lisboa e em
meu nome pessoal, expressar a dívida da nossa gratidão.
À sua filha, Inês, agradecemos, reconhecidamente, a
continuidade da herança recebida que continua a tornar presente nas nossas
vidas essa rajada de fé que irrompe o nosso quotidiano e nos toca
profundamente.
Obrigada.
Sofia Pereira Coutinho Reimão
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