A publicidade e a mentira
INÊS DIAS DA SILVA 30.11.16 WWW.FUNDACAOMARIAULRICH.PT/BLOG/
O meu grande desafio educativo diário reside na viagem ao fim da tarde entre a escola e a casa. O estaleiro que se instalou nas ruas de Lisboa só o intensifica, porque a viagem não só demora o dobro, como passamos muito tempo parados, e os meus dois filhos de 8 e 7 anos podem analisar com pormenor as mensagens e imagens publicitárias que inundam a nossa cidade.
Eles sabem o preço de cada oferta de tablet e smartphone, e enfatizam o “SÓ” no preço de centenas de euros.
– É muito barato, mãe!
Ao que eu vou respondendo que o dinheiro custa a ganhar e que cada euro deve ser usado com discernimento.
Há também alguns momentos de silêncio, normalmente acompanhados pelos anúncios natalícios de várias marcas de lingerie. O silêncio, está claro, fala a alto e bom som, sobre o que eles são: rapazes; e sobre o que as modelos do anúncio são: lindas de morrer. Até aqui tudo normal. A grande questão é que estão despidas, como eles já não me vêem sequer a mim. E por isso pergunto-me enquanto os vejo a contemplar os outdoors, o que estes anúncios lhes ensinam sobre o amor e as relações que terão no futuro com as mulheres? Deixo ao critério de cada um… Mas não me passa pela cabeça advogar pela sua censura, porque o nosso plano é educar os nosso filhos para este mundo e não para um paralelo em que as senhoras andam tapadas nos anúncios de lingerie.
Aparentemente o Governo francês tem pretensões graves de querer criar um mundo paralelo para os seus cidadãos. Um mundo onde as crianças com trissomia 21 não são felizes. E por isso censurou este anúncio. E fê-lo para que as famílias que abortaram crianças com trissomomia 21 não corram o risco de ficar ofendidas.
O nosso 3º filho é uma criança muito diferente das crianças da sua idade. A sua deficiência faz com que seja assim e eu sou lembrada disto sempre que olho para a caixa da Cerelac ou para o pacote das suas fraldas. Se ofendida me sentisse, teria que promover que se retirassem imagens de bebés gordos e perfeitinhos, de todos os anúncios e embalagens.
A grande distinção, pode-se argumentar, é que o meu filho é uma minoria discreta. Em França, no entanto, famílias que decidiram abortar um filho com diagnóstico pré-natal de trissomia 21 é 90%. Uma enorme maioria. A coisa curiosa é que estas famílias francesas não se queixaram, porque o anúncio nem chegou a sair. A acção do governo francês é preventiva; não vão as famílias descobrir agora, que foram enganadas pelo governo, cujos médicos lhes andaram a dizer de forma planeada, que a vida de uma criança com trissomia 21 é tão infeliz que o melhor para eles é não nascer. O anúncio diz que eles mentiram, e não se pode permitir esta contradição.
Não é que não soubéssemos, mas com este exemplo é por de mais evidente que para sustentar o seu poder, o Estado recorre vezes sem conta à mentira. Sendo chefe de família, como os nossos governantes são chefes de estado, se eu quiser não comprar aos meus filhos os gadgets que estão a ser publicitados sem os ofender, terei que escolher um percurso para casa que evite os anúncios ou vendá-los durante o caminho.
Mas como quero educar os meus filhos para a verdade e não posso contar com o Estado para me ajudar nisso, faço o esforço, todos os dias de lhes fazer ver que o nosso valor não reside nem nos gadgets que temos nem na perfeição dos nossos corpos. Nesta tarefa, o nosso filho deficiente é muito eficaz, só por ter nascido.
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