Os cúmplices do mal

Miguel Angel Belloso
DN 2016.04.08

A maioria das estações de televisão privadas do meu país são de esquerda. E muitas delas são francamente sectárias. Preocupam-se em esmiuçar tudo o que vai mal no país, que atribuem às políticas neoliberais aplicadas pelo governo de Rajoy. Instigam os instintos mais primários das pessoas, que são a inveja e o ressentimento e persuadem os cidadãos de que a solução de todos os seus problemas está nas mãos do Estado, que deve promover uma maior despesa pública, ampliar os direitos sociais, fortalecer os sistemas de proteção e aumentar os impostMos a todos aqueles que ganham muito dinheiro, não tendo qualquer importância que este se deva à perícia e ao sacrifício postos no empenho. As televisões do meu país exageraram a corrupção até ao extremo de terem conseguido instalar no imaginário público a ideia de que todos os políticos são uns ladrões cujo genuíno objetivo é roubar os cidadãos. Nem é preciso dizer que os danos causados por estes meios de comunicação foram tremendos. Provocaram um desamor para com a classe política e as instituições muito difícil de corrigir, arruinaram a moral pública, converteram os indivíduos em irresponsáveis - em pessoas infantis cujas desgraças nunca têm nada que ver com eles, mas sim com um agente externo - e deram um impulso muitíssimo eficaz ao populismo. Uma das razões pelas quais o Podemos, o partido radical de extrema-esquerda liderado por Pablo Iglesias, tem 69 deputados no Congresso de Espanha é precisamente o apoio que tácita ou explicitamente lhe foi dado pelos meios de comunicação absolutamente nocivos.
Apesar desta descrição tão literal e triste do estado da televisão privada do meu país, eu presto-me a participar, por vezes, em programas destas estações venenosas. Não só porque, apesar de ser liberal, tenho muitos amigos de esquerda, incluindo alguns francamente sectários, mas também porque pagam o suficiente para a família jantar no fim de semana ou comprar livros e, sobretudo, porque não me preocupa fazer de bode expiatório em troca de poder emitir livremente as minhas opiniões, ainda que estas provoquem o escândalo generalizado. Estes programas de televisão têm por hábito convidar sempre, como álibi, precisamente para expurgar o complexo de culpa que têm, uma pessoa de direita, que, estando em minoria, rapidamente fica desacreditada pelo enfoque geral da reportagem ou da tertúlia em questão. Não me importo. Presto-me ao sacrifício com muito gosto pelo bem do país e porque penso que talvez alguém entre os que me ouvem possa ter um ímpeto de lucidez ou de senso comum e reflita sobre se, no fundo, não terei alguma razão.
Na semana passada participei num programa cujo objetivo era falar sobre as soluções para o desemprego, assim como para as famílias que têm problemas em pagar a sua habitação ou estão em risco de ser despejadas. Levaram-me a uma pequena povoação de Toledo onde 70% da população está desempregada. Ali, na Praça Maior, rodeados por muitos dos seus habitantes, a maioria jovens votantes no Podemos e reformados que recebem uma pensão bastante mais digna do que a que corresponderia às suas contribuições, mas contudo mais radicais, mantivemos uma tertúlia durante a qual houve momentos em que temi pela minha integridade física. A primeira coisa que disse foi que para reduzir a elevada taxa de desemprego, sobretudo entre os jovens, era necessário reduzir ou anular o salário mínimo. Depois, que proibir indiscriminadamente, por lei, o despejo das pessoas que não podem fazer frente às suas obrigações teria consequências devastadoras sobre o mercado de arrendamento, prejudicando sobretudo os jovens, que não estão em condições de adquirir casa própria. Naturalmente, a reação do público que me escutava foi colérica, em grande parte porque o programa estava concebido para transmitir precisamente ideias contrárias às minhas: que os empresários devem aumentar os salários ou que os governos devem facilitar uma habitação grátis a toda a gente.
Não me retraí. Prossegui com a minha tese de que cada pessoa com trabalho tem, em condições normais, o salário que merece, aquele que está de acordo com a produtividade de que é capaz, de acordo com a sua qualificação, e sustentei que infelizmente a maior parte dos jovens que me rodeavam nem tinham as competências suficientes para trazer o valor acrescentado que esperam os empresários e que, em todo o caso, estes poderiam contratar muitos deles para desempenhar algumas tarefas, mas a um preço mais baixo do que o que estipula o salário mínimo oficial, que quanto mais alto for mais desincentiva a criação de emprego. Concluí, no meio da vaia geral, que é melhor trabalhar a qualquer preço com o salário que for do que estar fechado em casa sem fazer nada, vivendo do subsídio de desemprego, porque este último só fomenta a moleza, a inatividade e a destruição do poder de criação de riqueza, o qual, por pequeno que seja, reside sempre nas pessoas. Apesar do ambiente tão hostil saí ileso e senti-me orgulhoso, com a sensação de ter cumprido um dever cívico.
Hoje só lamento não ter tido acesso a tempo ao relatório elaborado pelo Departamento Federal de Emprego da Alemanha no qual se faz o balanço da introdução do salário mínimo no país, que foi uma das condições exigidas pela esquerda para formar o governo de coligação com o partido de Merkel. A conclusão deste relatório é que a introdução de um salário mínimo de 8,5 euros por hora desde janeiro de 2015 destruiu 60 mil empregos na principal locomotiva do continente. E isso sem que tenha sido aplicado aos menores de 18 anos sem formação, aos aprendizes, aos trabalhadores que se regiam por um acordo coletivo com um salário próprio, nem tampouco aos desempregados de longa duração ou aos que recebiam algum tipo de ajuda estatal, se tivesse sido o caso, as consequências teriam sido ainda mais dramáticas. É uma grande vantagem que as estatísticas, que admitem muito poucas interpretações, constatem que os salários mínimos travam a contratação dos mais jovens - que é o grupo com mais desemprego - e que as empresas negar-se-ão sempre a criar emprego se a rentabilidade deste for inferior aos custos que acarreta.
Em Espanha, os partidos que aspiram a formar governo incluem nos seus programas um aumento do salário mínimo. Já o infausto Zapatero o subiu cerca de 40% durante os oito anos que governou, inclusive em épocas de deflação, contribuindo para aumentar o desemprego jovem. A razão pela qual os partidos insistem em ensaiar políticas que já demonstraram o seu fracasso faz parte dos mistérios da história. E por que motivo os jovens dessa pequena povoação de Toledo, onde quase me lincharam, não são capazes de entender argumentos tão óbvios que iriam em seu benefício ou não resistem à injeção de demagogia que recebem diariamente das televisões privadas do meu país, é outro. A diferença é que ainda se pode considerar os jovens como inocentes. Às televisões, às suas direções e aos seus profissionais sectários, não. Eles são culpados ou no mínimo cúmplices do desastre geral. Esta parece-me uma grande lição para Espanha e também para Portugal, onde se namoram propostas igualmente destrutivas.

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