Carta aberta à McDonald's (pelo direito a escolher)

ISABEL STILWELL | jornaldenegócios | 26 Abril 2016, 

Compreenderão a desilusão que elas sentem quando recebem um Supercharger, uns bélicos Transformers, e a estranheza com que perguntam se não houve engano, se aquilo não era para os meninos.

Caros senhores,
desde que abriram portas nestas terras que sou uma incondicional frequentadora dos vossos espaços e, mesmo quando resisto a um McBacon com batatas fritas, e ao melhor "ketchup" português, não passo sem um McFlurry com M&M.
Mas, se até hoje, era o protótipo do cliente satisfeito, vejo-me agora na obrigação de protestar em nome das meninas portuguesas, que certamente só não inscrevem esta queixa no Livro de Reclamações porque não vão munidas do necessário Cartão de Cidadão.
O que as perturba neste momento não é o ponto de cozedura do hambúrguer, nem tão pouco a fritura das batatas, ou as indicações nutricionais que obcecam os pais, mas o brinde no Happy Meal que, invariavelmente, preferem.
É claro que lhes podemos explicar que não é legítimo refilar quando nos oferecem qualquer coisa, sem pedir contrapartidas mas, como certamente a McDonald's entende, as conquistas e os privilégios adquiridos não são coisa de que se abra mão com facilidade.
Ora, até aqui, o Happy Meal era para as crianças uma oportunidade de escolher um brinquedo de que gostassem. E as raparigas, invariavelmente contaminadas pela pertença ao género com que nasceram, e por uma preocupantíssima identificação com os outros elementos do sexo feminino que as rodeiam, inclusive as princesas do Frozen, preferiam habitualmente o de menina. E os rapazes, aquele que era pensado para rapazes. Poupo-vos a uma reflexão sem fim sobre o que é da natureza e o da educação ("nature" vs. "nurture"), porque para o caso o que importa é a expectável presunção de que o cliente tem sempre razão.
Dito isto, compreenderão a desilusão que elas sentem quando recebem um Supercharger, uns bélicos Transformers, e a estranheza com que perguntam se não houve engano, se aquilo não era para os meninos. A que se segue a consternação com que recebem a informação de que agora os brinquedos passaram a ser "unissexo".
Os pais e os avós, como eu, que gostam da McDonald's é claro que lhes irão explicar, como forem capazes, que os senhores são boas pessoas, mas que se deixaram pressionar pelo politicamente correto, e pelas ideologias da moda, e que, coitados, pagam uma "taxa moral" pelo facto de serem uma multinacional de sucesso, mas não sei se vai resultar. Desconfio que, irredutíveis, como as crianças sabem ser, vão insistir: "Mas vamos voltar a ter Barbies e assim?"
Aí seremos obrigados a abanar a cabeça com descrença, pela simples razão de que sabemos que os senhores sabem que se os brinquedos forem muito "de menina", serão liminarmente rejeitados pelos rapazes (e pelos seus pais!). O que, na prática, provavelmente vos irá levar a sacrificar as raparigas, que são aquelas que se adaptam melhor e refilam menos. Ou seja, a McDonald's comete hoje uma injustiça por género pior do que aquela que pretendia corrigir - é habitualmente no que dá o fanatismo ideológico.
Também teremos vontade de dizer, e só não o farão por lealdade para convosco, que não parece que seja missão das empresas "educar" os filhos dos outros. Presume-se, até, que os filhos de pais que rejeitam a diferença de género nos brinquedos tenham, há muito, aprendido a pedir aquilo que lhes apetece, sem necessidade que façam escolhas por eles.
Compreenderão por tudo isto a necessidade que senti de vos dar nota deste protesto: as raparigas querem brinquedos de meninas mas, acima de tudo, não abdicam do direito de escolher - a 26 de Abril a reivindicação deve fazer ainda mais sentido.
Com os melhores cumprimentos,
Isabel Stilwell
  • Para incluir as CEO, sem pleonasmos.

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