Jack London

João Pereira Coutinho
Expresso, 080524

Que o primeiro-ministro fume, é um problema dele. Que não se comporte como um homem adulto, é um problema nosso

Metade dos problemas do mundo deixaria de existir se as pessoas lessem um pouco mais.

Vejamos Sócrates: apanhado a fumar, o primeiro-ministro veio perante as câmaras pedir desculpa pelo facto (patético) e garantir aos portugueses que deixará esse nojento vício (inclassificável). Que o primeiro-ministro fume, é um problema dele. Que fume em local proibido, é um problema das autoridades. Que não se comporte como um homem adulto, é um problema nosso. Pior: em atitude que excede a paciência comum, o primeiro-ministro confessou não tolerar o «calvinismo moral» de quem o acusa e persegue. Em tempos politicamente correctos, regista-se a insensibilidade do engenheiro Sócrates perante as confissões calvinistas, que não lhe fizeram nenhum mal. E regista-se também a amnésia do senhor, que se queixa agora do que andou a promover no passado: o exacto tipo de espiolhagem e higienismo que espalhou pelo país. A legislação antitabágica, uma das mais absurdas e iliberais de toda a Europa, ilustra o ponto.
Por isso sugiro que a oposição envie para São Bento um esquecido livro de Jack London. Intitula-se The Assassination Bureau, Ltd. e é a história curial de uma empresa que elimina por encomenda pessoas consideradas «socialmente indesejáveis». Uma vez feita a proposta de extermínio, a empresa analisa o caso com rigor, investiga a história pessoal do alvo e, depois de avaliar o seu grau de «imoralidade», finalmente despacha-o com frieza burocrática. Tudo corre bem até ao dia em que tudo corre mal: o líder da empresa recebe uma nova proposta e descobre que a pessoa para abate, desta vez, é ele próprio. Não conto o fim, mas conto a moral evidente: todos os perseguidores, cedo ou tarde, convertem-se em vítimas da sua perseguição. Apesar da morte em 1916, London profetizava bem as máquinas autoritárias, e totalitárias, que acabam sempre por devorar os seus filhos. O engenheiro Sócrates devia ler Jack London. E aprender que quem gosta de tratar da saúde dos outros não pode espernear quando os outros desatam a tratar da nossa.

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