Torre e Espada
João Carlos Espada
Expresso, 080517
O próprio respeito pela liberdade de escolha decorre de um sentido de dever que lhe é prévio |
Devem os actos de heroísmo ser recordados e os seus actores homenageados? Ou devemos apenas cultivar a livre escolha individual e, portanto, considerar que qualquer escolha, desde que seja ‘autêntica’, é tão válida como qualquer outra? Ou devemos ainda considerar que as escolhas mais válidas serão apenas aquelas que recolherem maior número de preferências individuais - talvez medidas por votação, ou por audiências televisivas?
É importante defender a primeira resposta e refutar as duas seguintes. E é importante fazê-lo do ponto de vista da liberdade e da democracia.
Edmund Burke explicou porquê: porque o dever não depende da vontade nem da escolha. “Possuímos obrigações para com a humanidade em geral, argumentou Burke, que não são o resultado de qualquer pacto voluntário específico. Pelo contrário, a robustez de todos os pactos que firmamos com qualquer pessoa particular ou conjunto de pessoas depende destas obrigações primárias”.
Isto significa que o próprio respeito pela liberdade de escolha decorre de um sentido de dever que lhe é prévio. Sem este sentido de dever não haveria autocontrolo que levasse uns a respeitar outros, sobretudo quando as escolhas dos outros lhes desagradassem.
Para a democracia poder funcionar, é necessário que a minoria aceite a escolha da maioria e que esta respeite a divergência da minoria. Isto só acontece quando uma e outra respeitam obrigações que estão acima da escolha de qualquer delas. Podemos designar este ‘acima’ como o sentido de dever. O cumprimento do dever com o risco da própria vida, designadamente em combate, é a mais elevada expressão do sentido de dever.
É por esta razão que todas as democracias, sobretudo as mais estáveis, têm condecorações, com especial relevo para as condecorações por actos de bravura. Mas não basta tê-las na lei. É preciso assumi-las nas maneiras, como também diria Burke: “As maneiras são mais importantes do que as leis… a lei toca-nos apenas aqui e ali, uma vez por outra. As maneiras são o que corrompe ou purifica, exalta ou diminui, barbariza ou refina, por uma operação constante, uniforme, insensível, como o ar que respiramos”.
Isso foi o que fez na passada terça-feira a Liga dos Combatentes, sob a direcção do general Chito Rodrigues e com o alto patrocínio do Presidente da República, que presidiu à cerimónia. Foi o início do ‘Programa de Homenagem aos Combatentes Condecorados pelo Estado Português”, que vai decorrer até 2013. A abertura do programa celebrou o bicentenário da criação da Ordem da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito - a mais elevada condecoração nacional. A iniciativa é bem-vinda e merece ter sucesso.
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