Um erro socrático

Destak
EDITORIAL
Um erro socrático
14 | 05 | 2008 09.12H

Sócrates fuma num avião, mas proíbe os outros de acender um cigarro em espaços fechados. Sócrates benze-se durante inaugurações, e faz ele muito bem, mas os protestos dos correlegionários dão a entender que guarda o gesto para piedosas manifestações públicas. Sócrates indigna-se, e com todo o direito, contra quem tenta bisbilhotar a sua vida privada, mas nas viagens acorda os jornalistas para lhes dizer que estão convidados a acompanhá-lo num jogging matinal.

As piranhas da oposição estão sempre à espreita, neste caso aliados a repórteres que esquecidos que viajavam na comitiva do primeiro-ministro rumo à Venezuela, «traíram» a confiança do anfitreão e chibaram para fora o vício desconhecido dos portugueses. Vício agravado pelo seu exercício num local onde os habituais passageiros fumadores têm que roer as unhas ou mascar pastilhas de nicotina. De facto, não admira que ninguém queira ir para a política, quando o menor gesto é escrutinado, mas também temos que reconhecer que quem acede a lugares de poder já deve ir preparado para estas devassas, e embuído da máxima de que à mulher de César não basta ser séria, é preciso parecê-lo.

Os responsáveis da TAP vieram justificar que os voos fretados têm regras próprias, certamente impulsionado pelo receio de que o amigo Chavez incitasse o primeiro-ministro português a mandá-los operar às cataratas a Cuba, antes mesmo de privatizar a empresa. Mas a desculpa cola mal: é que a viagem é oficial, paga do nosso bolso, e seria de bom tom que os governantes fossem os primeiros a respeitar uma lei, de que ainda por cima são os autores. Além do mais, regras como? Será que o aparelho tem as condições todas exigidas para os espaços onde é permitido fumar? Sócrates, a esta hora, lamenta-se certamente por não ter fumado antes um charro, porque aí teria, pelo menos, Louçã como testemunha de defesa. Quanto à ASAE já somaram o jackpot à famosa lista de objectivos: apanhar um primeiro-ministro a fumar, dá agora certamente os mesmos pontos que fechar dez mercearias e um hipermercado ao domingo.

Isabel Stilwell | editorial@destak.pt

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