O "Maio de 68"
O "Maio de 68"
Público
17.05.2008, Vasco Pulido Valente
O "Maio de 68", sobretudo para quem lá não esteve, nem sabe o que sucedeu, acabou pouco a pouco por se transformar numa espécie de "fronteira" histórica e no símbolo de uma geração. É uma fama que não merece. Nem a Europa, nem o mundo acompanharam a França. Escusado será dizer que por cá não houve rigorosamente nada e que o regime continuou imóvel e sereno. Em Espanha, umas tantas manifestações de estudantes sem grande força também não abalaram o franquismo. Em Itália, uma certa agitação dispersa pareceu anunciar o que viria depois. Na Alemanha, apesar de algum ruído e de alguma retórica (que desgostou profundamente o prof. Ratzinger), as coisas não chegaram longe. E, em Inglaterra, tirando como sempre umas centenas de excêntricos, ninguém deu por isso. O "Maio de 68" não foi a "Primavera dos Povos" de 1848.
O "Maio de 68" foi um fracasso: morreu depressa e deixou a direita mais 13 anos no poder. Sem uma ideia ou uma estratégia, fez do seu próprio vácuo uma virtude. Era um "movimento" de jovens da classe média - por outras palavras, de privilegiados -, que sufocavam sob De Gaulle e não acreditavam já no folclore ideológico e político da esquerda "antifascista": do carácter operário do PC ao mito (ainda oficial) da Resistência. O "Maio de 68" queria uma mundo novo, um mundo da imaginação e da liberdade, como proclamavam os graffiti do tempo. Não por acaso, o advento da pílula e a prosperidade da França (depois da época terrível da reconstrução) tornavam essa fantasia adolescente quase palpável. E a democracia (tão vilificada) garantia a impunidade aos "revolucionários".
Mas muito do que se associa hoje ao "Maio de 68" veio da América, porque na América existia, de facto, um inimigo, o Presidente Johnson, e um objectivo, o fim da guerra no Vietname. O "Maio de 68" legou um "marxismo" universitário, absurdo e pretensioso, e a divulgação em França da realidade soviética, que na academia anglo-saxónica não passava de um lugar-comum. A cultura hippie, no seu melhor e no seu pior (e que no essencial permanece connosco), a hegemonia da música "popular" e até o triunfo do feminismo não são produtos da França ou da Europa, são produtos da América, frequentemente importados por via da Inglaterra. Como lhes competia, os velhos veteranos do verdadeiro "Maio" andam por aí: por um PS qualquer ou pela burocracia de Bruxelas. Num justo anonimato.
Público
17.05.2008, Vasco Pulido Valente
O "Maio de 68", sobretudo para quem lá não esteve, nem sabe o que sucedeu, acabou pouco a pouco por se transformar numa espécie de "fronteira" histórica e no símbolo de uma geração. É uma fama que não merece. Nem a Europa, nem o mundo acompanharam a França. Escusado será dizer que por cá não houve rigorosamente nada e que o regime continuou imóvel e sereno. Em Espanha, umas tantas manifestações de estudantes sem grande força também não abalaram o franquismo. Em Itália, uma certa agitação dispersa pareceu anunciar o que viria depois. Na Alemanha, apesar de algum ruído e de alguma retórica (que desgostou profundamente o prof. Ratzinger), as coisas não chegaram longe. E, em Inglaterra, tirando como sempre umas centenas de excêntricos, ninguém deu por isso. O "Maio de 68" não foi a "Primavera dos Povos" de 1848.
O "Maio de 68" foi um fracasso: morreu depressa e deixou a direita mais 13 anos no poder. Sem uma ideia ou uma estratégia, fez do seu próprio vácuo uma virtude. Era um "movimento" de jovens da classe média - por outras palavras, de privilegiados -, que sufocavam sob De Gaulle e não acreditavam já no folclore ideológico e político da esquerda "antifascista": do carácter operário do PC ao mito (ainda oficial) da Resistência. O "Maio de 68" queria uma mundo novo, um mundo da imaginação e da liberdade, como proclamavam os graffiti do tempo. Não por acaso, o advento da pílula e a prosperidade da França (depois da época terrível da reconstrução) tornavam essa fantasia adolescente quase palpável. E a democracia (tão vilificada) garantia a impunidade aos "revolucionários".
Mas muito do que se associa hoje ao "Maio de 68" veio da América, porque na América existia, de facto, um inimigo, o Presidente Johnson, e um objectivo, o fim da guerra no Vietname. O "Maio de 68" legou um "marxismo" universitário, absurdo e pretensioso, e a divulgação em França da realidade soviética, que na academia anglo-saxónica não passava de um lugar-comum. A cultura hippie, no seu melhor e no seu pior (e que no essencial permanece connosco), a hegemonia da música "popular" e até o triunfo do feminismo não são produtos da França ou da Europa, são produtos da América, frequentemente importados por via da Inglaterra. Como lhes competia, os velhos veteranos do verdadeiro "Maio" andam por aí: por um PS qualquer ou pela burocracia de Bruxelas. Num justo anonimato.
Comentários