Instituições de solidariedade obrigadas a deitar comida fora

Instituições de solidariedade obrigadas a deitar comida fora
Público
17.05.2008 - 08h26
Sofia Rodrigues
A Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica (ASAE) está a aplicar com rigor os regulamentos comunitários de higiene às instituições de solidariedade social: exige que as cozinhas tenham os mesmos requisitos que as de um restaurante, proíbe as instituições de aceitar alimentos dados pelas populações e deita fora toda a comida congelada em arcas normais.

A ASAE alega que o regulamento comunitário sobre legislação alimentar se aplica a qualquer empresa do sector "com ou sem fins lucrativos". Mas o jurista e presidente da Associação Portuguesa do Direito do Consumo, Mário Frota, tem dúvidas e recomenda que o Governo consulte a Procuradoria-Geral da República sobre o assunto.

A ideia de intransigência é a que mais sobressai quando se confrontam as instituições de solidariedade social com a actuação da ASAE. Algumas recusaram-se a falar ao PÚBLICO por temerem represálias. "Apresenta-se como uma superpolícia implacável. Falta-lhe sensatez para poder apreciar melhor este sector", afirma o padre Lino Maia, presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade Social (CNIS). "A ASAE funciona como se estas instituições fossem lucrativas e os seus dirigentes vivessem delas, e não exige ao sector público o que exige a estas instituições", queixa-se Lino Maia.

Falta de bom senso

Uma das exigências é a existência de um túnel de congelação - uma máquina que faz uma congelação ultra-rápida dos alimentos. Se não houver, a ASAE dá instruções para que não se congele alimentos frescos. O que, para a especialista Ana Soeiro, antiga responsável pela divisão de promoção de produtos de qualidade no Ministério da Agricultura, revela falta de bom senso: "Não se pode exigir que uma instituição de freiras tenha um pequeno restaurante." Soeiro defende que "as instituições de solidariedade social não estão obrigadas a cumprir os regulamentos comunitários de higiene", apesar de sublinhar a necessidade de serem limpas e não colocarem em causa a saúde dos utentes.

Entendimento diferente tem a ASAE. Contactada pelo PÚBLICO, a assessoria de imprensa do Ministério da Economia esclareceu, por escrito, que, segundo o regulamento comunitário (n.º 178/2002) - sobre princípios e normas gerais da legislação alimentar -, uma empresa do sector alimentar é "qualquer empresa com ou sem fins lucrativos, pública ou privada, que se dedique a uma actividade relacionada com qualquer das fases da produção, transformação e distribuição de géneros alimentícios". O que significa que os regulamentos de higiene que são aplicados a restaurantes também podem abranger instituições de solidariedade social.

Mário Frota faz, no entanto, outra leitura da legislação comunitária e lembra que a lei orgânica da ASAE refere a fiscalização das "actividades económicas". "Apesar da noção alargada de empresa do regulamento 178, há um conflito nas competências porque as instituições de solidariedade social não prosseguem um fim económico", sustenta o jurista.

A ideia de impor a exigente legislação europeia em lares, creches e cantinas sociais não assusta todos, mas é pedida alguma ponderação. "A ASAE deve aplicar as mesmas regras, mas com cautela, e deve avaliar cada instituição", diz Sandra Santos, técnica da Associação Recreativa e Cultural de Óis da Ribeira, que participou recentemente numa sessão de esclarecimento com a ASAE, em Águeda.

Em algumas situações, diz Sandra Santos, é impossível cumprir o exigido. "Quando a ASAE manda fazer obras, quem é que as paga?", questiona. Além disso, "as pessoas querem dar alfaces, ovos, e isso não devia ser proibido".

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