Francisco Lucas Pires

João Carlos Espada, Expresso, 080531


Este, creio, foi o maior legado de Francisco Lucas Pires: o de levar as ideias a sério, por elas mesmas

No décimo aniversário da morte de Francisco Lucas Pires, várias justas homenagens têm sido feitas à sua memória e ao seu legado. Não posso acrescentar algo muito relevante ao que disseram já os que o conheceram melhor. Mas talvez me seja permitido um breve apontamento pessoal.

Conheci pessoalmente Lucas Pires a propósito do Clube da Esquerda Liberal e da revista ‘Risco’, que ajudei a fundar em 1984 com José Pacheco Pereira e Manuel Villaverde Cabral, além de muitos outros bons amigos. Lucas Pires revelou desde o início muito interesse na iniciativa, com uma particularidade: ele conhecia bem as nossas ideias, lia os nossos textos, e, sobretudo, falava connosco sobre elas. E eram conversas muito interessantes e desafiantes.

O desafio mais estimulante que recordo residia no seguinte: ele não era de esquerda, mas dizia que tinha gosto em dialogar com a nossa esquerda, por ela ser liberal; mas, acrescentava, a nossa “esquerda liberal” não lhe parecia um ponto de chegada - parecia-lhe um ponto de partida. E não era para ele muito claro porque insistíamos na designação de esquerda. Eu senti que ele podia ter razão, mas não sabia bem como resolver o problema - e não vou agora maçar os leitores com detalhes pessoais sobre como tentei enfrentar o problema.

O ponto que gostaria de enfatizar é o da abertura de espírito que Lucas Pires revelou para connosco e o da genuína empatia com que discutia ideias. Essa abertura e essa empatia ficaram impressionantemente expressas nos trabalhos que promoveu no chamado Grupo de Ofir. Arrisco-me a dizer que, no plano político e intelectual, foram os Encontros mais importantes da década de 1980 - para não ir mais longe.

Aí se apresentou um programa político de reforma e modernização do Estado e da economia, sem paralelo entre nós. Era um programa liberal, sem dúvida, mas era antes de mais um programa de modernização e de abertura intelectual. Era um programa para nos libertar de preconceitos ideológicos que raramente submetemos a discussão aberta: preconceitos de pendor estatista, dirigista, igualitarista que muito provavelmente explicam o nosso relativo subdesenvolvimento - o mesmo subdesenvolvimento relativo que esses preconceitos dizem querer combater.

Este, creio, foi o maior legado de Francisco Lucas Pires: o de levar as ideias a sério, por elas mesmas, e o de sentir empatia genuína com o profundo poder transformador das ideias. Não é seguro, no entanto, que nós tenhamos inteiramente apreendido esse legado.


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