Até daqui a nada ou depois

ATÉ DAQUI A NADA OU DEPOIS

DN 080529
Pedro Lomba
jurista
pedro.lomba@eui.eu
Sempre ouvi dizer que os povos são o que comem. Acrescento que os povos também são o que falam, como falam e, sobretudo, a maneira como se saúdam. Uma simples saudação pode ser um indicador mais expressivo da identidade de um país do que milhentas sondagens. Há uma passagem na Bíblia em que Lucas comenta o tempo que os árabes educados perdiam em cumprimentos porque perguntavam sobre a saúde, a casa e o dinheiro. Já para não falar dos gestos: cada povo diz "Bom dia" com toda uma retórica, física e verbal, peculiar.

A cultura está nos detalhes. Por exemplo: os italianos dizem sempre em festa "Ciao" quando se encontram e "Ciao" quando se despedem. Tem tudo a ver com uma cultura de sociabilidade e espectáculo. Para eles, é sempre reconfortante encontrar uma pessoa. Mas não é menos quando se separam. As despedidas nunca são uma tragédia para os italianos mas oportunidades para novos encontros e novas saudações.

Nós, portugueses, somos um povo mentiroso porque avançamos com um "Olá" à partida mas fechamos com um ambíguo "Até logo" ou "Até depois". Em 80% dos casos não iremos rever a pessoa nos seis meses a seguir ou nunca mais. Mesmo assim aí vai um "Até logo" ou, numa versão mais absurda de mentira, um "Até já". Nunca soube até quando é este "Até já". Voltamos a ver-nos daqui a bocado ou deixamos de nos pôr a vista em cima uns dois anos?

Além de mentirosos, os portugueses são compassivos. Quando dizemos "Até logo" ou "Até daqui a pouco" também queremos dar esperança àqueles de quem nos estamos a despedir. Como se disséssemos: "Não te preocupes que isto são só umas horas." O português tem um pudor, um excesso de zelo, uma réstia última de humanidade que o previne sempre de agredir o outro. Sim, pode ser que nos reencontremos daqui a nada. Pode ser mais cedo do que tarde. E pode ser que caia um trovão sobre isto tudo e ninguém veja mais ninguém.

Povos triunfantes como os anglo-saxónicos fazem exactamente o oposto. Verdade que existe logo um satisfeito e abreviado "Hi" só para distender a plebe. O problema é que tudo acaba com um "See you" ou um "Take care" que não deixa dúvidas sobre o individualismo destes povos. Quando um amigo inglês me diz "Take care", fico sempre a achar que se eu um dia acabar cego e surdo ele vai dizer que bem me avisou que tomasse cuidado.

Finalmente, franceses e italianos têm duas expressões de que gosto muito: "Bonne journée" e "Buona giornata". Nós, portugueses, não temos disto. Se alguém em Portugal disser "boa jornada", o outro vai pensar que estamos a falar do Benfica. Isto deve ter a ver com a nossa atitude em relação ao trabalho. Se nunca dizemos "boa jornada", é porque sabemos que a jornada não vai ser boa. Ao menos nisso não vendemos ilusões.

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