Marcelo

PAULO RANGEL Público 12/01/2016

Apoiar Marcelo não significa obviamente achar que fez tudo bem, especialmente nesta contingência pré-eleitoral.
  1. Desde o primeiro momento que declarei o meu apoio convicto à candidatura de Marcelo Rebelo de Sousa. A área do centro e centro-direita tinha decerto outros excelentes candidatos com diferentes carismas e qualidades como Durão Barroso ou Rui Rio. Mas não hesito em afirmar que Marcelo é um dos cidadãos portugueses mais bem preparados e mais vocacionados para o exercício da função presidencial, deixando a milhares de léguas de distância todos os restantes concorrentes, mesmo os aparentemente mais directos. Na verdade, o centro-esquerda desistiu de fazer aparecer os seus melhores – António Guterres ou António Vitorino, por exemplo – e, com isso, enfraqueceu substancialmente a possibilidade de ter êxito na eleição presidencial. Importa, porém, insistir num ponto: Marcelo, mesmo sem concorrência à sua altura, pertence ao escol dos melhores candidatos possíveis e, sendo eleito como espero, tem todas as condições para ter uma prestação distinta e absolutamente exemplar.
  2. Os seus adversários, à falta de melhor argumento, procuram explorar um suposto perfil psicológico de Marcelo. Este tropismo para a psicologia de algibeira – muito ostensivo no argumentário de Maria de Belém e omnipresente no discurso de Sampaio da Nóvoa – diz muito sobre as insuficiências respectivas e sobre a diferença abissal de estatura política que têm para Marcelo. O argumento psicológico redunda irremediavelmente na ideia de instabilidade e volatilidade das opiniões e num suposto “hiperactivismo” quase pueril. A ideia de volubilidade opinativa anda associada à actividade de comentário político exercitada, em diferentes plataformas e quase ininterruptamente, há várias décadas. Trata-se de uma crítica que padece, ela sim, de superficialidade e infantilidade. É por demais evidente que quem faz comentário semanal não pode deixar de ter uma leitura (também) conjuntural. E é até natural que, ao longo dos meses e dos anos, possa variar nos juízos que formulou, alterar perspectivas que adoptou, corrigir julgamentos que emitiu. Não será decerto difícil encontrar, entre os milhares de registos de opinião produzidos por Marcelo Rebelo de Sousa, algumas mudanças de posição e até contradições. Como seria possível outra coisa em alguém que emite opinião semanalmente ao longo de décadas? Será expectável que alguém, culto e inteligente, tenha a mesma visão e uma opinião monolítica aos 30, aos 40, aos 50 ou aos 60 anos?
  3. O que a crítica psicológica esquece ou faz por esquecer é que quem esteve sob as luzes da ribalta todo este tempo tem a seu favor um escrutínio ímpar na sociedade portuguesa. Não deve haver muitos mais actores públicos, com relevo na vida mediática e política, que possam ser tão escrutinados como Marcelo. E depois desse escrutínio, o que fica? Este labéu fruste e frágil de que mudou de opinião ao longo do tempo e de que emitiu, aqui e ali, comentários e observações com a marca forte da conjuntura? E isso é grave? É mesmo grave? Esta crítica esquece também que o pensamento expendido por um comunicador com tão longos e ricos registos não pode ser apreciado sem uma leitura global, sem um apelo às grandes linhas e às constâncias que o guiam e guiaram. E aí parece indisputável que pode formar-se um consenso em torno de uns poucos princípios que subjazem aos longos anos de análise política.
  4. O primeiro é o patriotismo de Marcelo. Em todos os momentos, revelou uma preocupação cardial com o país, com os portugueses, com a pátria. Nas coisas mais decisivas, como a assistência financeira externa, a relação com o mundo lusófono ou a Europa, ou nas mais prosaicas ou triviais, como os feitos externos de estudantes, artistas, cientistas ou desportistas, ele revela um escrúpulo absoluto com a defesa do interesse dos portugueses e de Portugal. A segunda constante é a sensibilidade social. Em todos os seus comentários, Marcelo revela uma preocupação permanente com os temas sociais (saúde, pensões, desemprego) e faz uma defesa intransigente dos mais fracos e dos mais desvalidos. Mesmo quem releva a sua proverbial ironia, às vezes a raiar o maquiavelismo e até cinismo, notará que as críticas mais acerbas são invariavelmente dirigidas aos mais fortes e nunca, mas nunca, aos mais fracos. Marcelo foi muitas vezes forte ou fortíssimo com os fortes (na política, na economia, na finança), mas nunca se alcandorou a ser forte com os fracos. Também isto mostra, mais na forma do que na substância, sensibilidade social. O terceiro princípio é a sua luta intrépida pela transparência na vida pública. Marcelo, ao longo de todos estes anos, não perdeu uma oportunidade para fazer pedagogia sobre a lisura e a frugalidade na vida pública e, bem assim, sobre a publicitação de todos os interesses envolvidos em qualquer situação. Em muitos casos, aliás, deu ele mesmo o exemplo, fazendo a sua declaração de interesses a propósito deste ou daquele comentário. A quarta vertente vem a ser o seu optimismo. Apesar da toada crítica, muitas vezes dura e até impiedosa, da sua produção analítica, Marcelo revela sempre, relativamente ao statu quo nacional, uma capacidade de valorizar os pontos positivos, aqueles que podem servir de alavanca a uma melhoria da vida das pessoas. Aqui entronca a sua apologia do papel da cultura e do conhecimento e a qualificação – que na pré-campanha tão amiúde tem feito – do valor do “afecto” na política. Esta capacidade de gerar e valorar o lado afectivo da política, dá-lhe, aliás, uma dimensão só antes “captada” por Mário Soares.
  5. Apoiar Marcelo não significa obviamente achar que fez tudo bem, especialmente nesta contingência pré-eleitoral. Ao evitar tomar certas posições alto e bom som, ao esticar os calendários até ao limite, ao ser tão frio com o seu eleitorado natural, ao colar-se demasiado a António Costa, Marcelo tem actuado ou omitido por mero cálculo. A força do seu carisma e da sua personalidade dispensavam bem esse excesso de prudência, que pode tornar-se desmobilizador e contraproducente.

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