A Nova Normalidade
Mário Crespo | SOL | 18/01/2016
Esta fobia aos exames não é nova. Em 1975, numa série de faculdades, inaugurou-se o período das passagens administrativas
Aos 38 anos sabe-se, praticamente, tudo. E quando se tem um doutoramento em áreas complexas e se nomadizou uma década pelo mundo fora, por instituições dos mais altos saberes, culminando com uma estada prologada no olimpo de Cambridge, então, aos 38 anos, sabe-se mesmo tudo.
Tiago Brandão Rodrigues é assim. Já o foram outros prodígios académicos como Poiares Maduro, Miguel Morgado e Bruno Maçães que, do alto das cátedras, chegados aos silêncios alcatifados dos gabinetes, se atiraram com ousadia à experimentação social em busca das ‘Novas Normalidades’ das suas cartilhas ideológicas.
Como se não houvesse pessoas.
Como se tudo se passasse como em modelos matemáticos, ou na electroforese de proteínas ou nas hipóteses jurídicas realmente hipotéticas.
Só que, na vida real, há gente. Não há hipóteses. Há realidades. Há entropias surpreendentes e desgovernadas onde a ideologia pouco conta. E acreditar que o problema da iliteracia nacional está na existência de exames, mais do que ingenuidade inerente a 38 anos de grande sabedoria específica, é um perigo.
Em Março de 2011, com Portugal prestes a ser intervencionado pelos credores internacionais, o The Wall Street Journal publicou um artigo de fundo com o título A Nation of Dropouts Shakes Europe.
Traduzido livremente, será qualquer coisa como Uma Nação de Cábulas Abala a Europa.
A tese do artigo é que Portugal nunca conseguiria pagar as dívidas do Estado porque, com os níveis de insucesso escolar que tinha, a população portuguesa não obteria emprego de qualidade suficiente para, com os impostos, ir pagando o que devia. Em síntese, Portugal não tinha, nem teria a médio prazo, capital humano de qualidade para guarnecer uma economia moderna endividada.
O artigo do WSJ, profético como foi, fez um levantamento exaustivo de casos, desde sucessos do ensino privado com professores exigentes escolhidos por mérito, aos malogros e calamidades organizativas produzidas pelo obreirismo docente em escolas públicas, de onde emana a maior parte do insucesso escolar. Em parte alguma do artigo se referem os exames como sendo a causa da iliteracia portuguesa.
Esta fobia aos exames, redescoberta agora no Governo PS, não é nova.
Em 1975 inaugurou-se o período das passagens administrativas numa série de faculdades portuguesas, com particular incidência nas escolas das áreas de economia e finanças.
Nunca em tão pouco tempo se produziu tanto licenciado com médias de dez, lançadas nas pautas pelas secretarias das faculdades onde os alunos tinham, em muitos casos, expulso os professores.
Levou vários anos até a sanidade voltar ao país. Mas o mal estava feito. Os resultados deste facilitismo sentem-se no desastre económico e financeiro do Portugal pós-revolucionário.
Mais recentemente, esta fobia aos exames e a queda para o oportunismo teve episódios caricatos nas licenciaturas de membros de governos, conseguidas com ‘planos de estudos’ e ‘equivalências’ que deram continuidade ao processo administrativo de credenciação das competências académicas imaginárias dos anos 70.
Não deixa de ser curioso registar (embora não se fale disso) que há hoje, sorrateiramente acomodados na nossa sociedade, um número muito razoável de jornalistas ‘mestrados’ e ‘doutorados’ por várias universidades, até públicas, sem terem licenciaturas ou mesmo estudos secundários adequados.
Agora o ministro Brandão Rodrigues quer dar continuidade a estes milagres da multiplicação do conhecimento transpondo-os para toda a escola portuguesa, exortando docentes e alunos a «não treinar para os exames» porque é «altamente pernicioso e até nocivo», alicerçando estes soturnos projetos numa fé inabalável. Diz o ministro: «(...) não tenho nenhuma dúvida relativamente à seriedade dos alunos, dos professores e das escolas (...)».
E com esta ausência de dúvidas de quem raramente se engana estão criadas as bases para uma ‘Nova Normalidade’ que, tal como a de Passos Coelho, é de um Portugal que teria que continuar a ‘empobrecer’. O que aconteceu mesmo.
Só que agora não é só na bolsa que nos vamos exaurir. Nesta Nova Normalidade que nos desenham, o português é pobre e iletrado – mas com um ‘plano de estudos’ pode acabar com um mestrado ou mesmo doutoramento.
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