Uma fatal superioridade moral
Eduardo Cintra Torres, Correio da manhã 17.01.2016
Não cabe ao jornalismo ser condescendente e sobranceiro como Ricardo Cos
ta foi.
Quando o director do ‘Expresso’ perguntou ao candidato Vitorino Silva na festa da SICN "o que é que você está aqui a fazer?", deixou-nos um retrato dum certo jornalismo nacional. Vitorino Silva, o Tino de Rans, o bombo da festa das presidenciais, desarmou a soberba de Ricardo Costa respondendo "estou aqui porque a SIC me convidou". O director do semanário e autor-apresentador do ‘Expresso da Meia-Noite’ na SICN nem percebeu que a sua pergunta era malcriada. Para Costa, Vitorino Silva não deveria ser candidato: chamou-lhe "Tino de Rans, que está aqui como Vitorino Silva", perguntou-lhe depois se ele "estabeleceu mentalmente ou escreveu num papel" o seu objectivo e, com paternalismo, pôs a mão no ombro do candidato, o que não fez a nenhum outro candidato. Ninguém no seu perfeito juízo pode igualar politicamente este candidato a outros, mas não cabe ao jornalismo ser condescendente e sobranceiro como Ricardo Costa foi. A mesma atitude atravessou todo o programa simultâneo à festa, ‘O Eixo do Mal’, programa que, para resguardo da minha sanidade mental, eu já não via há uma década. Os "comentadores" deste programa falam com uma superioridade moral insuportável, com certezas absolutas e uma ignorância atrevida, sem base factual que sustente as afirmações. Fazem previsões mirabolantes ("num dia de temporal, Marcelo vai à segunda volta"), transformam o seu elitismo ridículo em postulados antidemocráticos, como a crítica à existência de muitos debates presidenciais ("as televisões privadas deveriam rejeitar" fazer "tantos" debates) e até nas formas de tratamento revelam snobeira (um é "o Marcelo" o outro é o "professor Nóvoa"). Sentem-se tão superiores que acharam os debates "penosos" e "uma infantilização". Na mesma noite, voltou à ‘Quadratura do Círculo’ o comentador António Costa, agora primeiro-ministro. O apresentador e os restantes comentadores colocaram-lhe "questões", que foi o eufemismo escolhido para fingir que não era uma oportunidade para o amigo comentar sem contraditório a sua própria actividade como primeiro-ministro. Esta edição redonda da ‘Quadratura’ simbolizou a promiscuidade entre o "comentário" e a actividade política em Portugal, de que a SICN é expoente, um modelo que a TVI também segue e de que a RTP em parte se afastou nos últimos meses. Curiosamente, os opositores de Marcelo Rebelo de Sousa, que não o largam por ter sido comentador durante anos em horário nobre, não mencionam que Costa também chegou à chefia do governo e a S. Bento por ter comentado todas as semanas na SICN, onde agora voltou como quem volta à mesa do café com os amigos.
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