Voltas
Luciano Amaral
Correio da manhã, 2016.01.18
Não sei se Marcelo percebeu que a esquerda não vota apenas contra si. Vota também contra Cavaco.
O candidato Marcelo Nuno Duarte Rebelo de Sousa quer ser eleito Presidente da República na primeira volta das eleições, já a 24 de janeiro. Quer, e talvez tenha mesmo de ser, para chegar lá. Segundo as sondagens, tudo parece estar a correr bem. A técnica que escolheu para isso é bastante simples: desprezar a direita, no limite da hostilização, dando por adquirido o seu voto, e namorar enlevadamente a esquerda, de forma a obter os votos que permitam ultrapassar a barreira dos 50%. O problema é se isto não funciona e Marcelo tem de enfrentar um dos candidatos da esquerda (mais provavelmente Nóvoa) numa hipotética segunda volta. É verdade que nenhum parece muito ameaçador para as suas pretensões. Mas a ocorrência de uma segunda volta seria, desde logo, uma pequena derrota, para além de poder suscitar a mobilização do povo de esquerda. Ora, em condições de bipolarização, Marcelo teria de convocar o mesmo povo de direita que agora "esnoba" (como se diz no Brasil). E será que o povo de direita estaria na disposição de se mobilizar por um candidato que o trata como um desagradável empecilho? Tanto mais que nenhum dos candidatos da esquerda com possibilidades de ir à segunda volta (Nóvoa e Maria de Belém) assusta como guarda avançada do comunismo ou outro pavor do género da direita. Já a esquerda, vendo um candidato seu na segunda volta, sentiria uma força renovada. Não sei se Marcelo percebeu que a esquerda não vota apenas contra si. Vota também contra Cavaco – e não há coisa que a esquerda mais deteste do que Cavaco. Marcelo provavelmente percebeu-o e, por isso, pretende tanto distinguir-se dele. Mas a verdade é que, por muito que se esforce, é o candidato da direita, e a esquerda vai votar também contra a ideia de ter presidentes de direita durante vinte anos. Quem sabe estas eleições ainda poderão vir a tornar-se interessantes?
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