Presidenciais ou ajuste de contas sobre o Governo?

José Luís Ramos Pinheiro
RR 15 Jan, 2016

A omnipresença das legislativas nas presidenciais ajuda a esconder o sentido da função presidencial. E esse desconhecimento, alimentado pela prática de dirigentes ou mesmo de candidatos, também contribui para alguma frustração com a actuação dos Presidentes.
Em (quase) 42 anos de democracia, as eleições presidenciais acabam invariavelmente por ser vistas como continuação ou desforra das legislativas: um prolongamento do jogo anterior, sobretudo quando se inicia um ciclo presidencial, o que é o caso, em 2016.
A omnipresença das legislativas nas presidenciais ajuda a esconder o sentido da função presidencial. E esse desconhecimento, alimentado pela prática de dirigentes ou mesmo de candidatos, também contribui para alguma frustração com a actuação dos Presidentes.
O poder presidencial deve ajudar a ligar o país e a gerar consensos entre decisores políticos. Mas para que essa magistratura obtenha resultados é indispensável que o Presidente – figura referencial do país - não esteja atado a uma concepção própria sobre todos os assuntos e mais alguns que enquanto Presidente não lhe competem decidir. De resto, se o Presidente quiser ser primeiro-ministro, está tudo estragado.
Pela Constituição o poder executivo não está nas mãos do Presidente da República. Os Presidentes não legislam nem governam. Os exames do ensino básico e secundário, a duração do horário semanal de trabalho ou o valor do salário mínimo nacional (só para dar exemplos recentes) são questões do parlamento, do governo ou da concertação social. Por isso, nesta campanha eleitoral chega a ser confrangedor ver como alguns candidatos se posicionam sobre temas concretos que ao Presidente não compete decidir: como se as presidenciais fossem uma reedição das legislativas ou como se o Presidente da República devesse ser uma espécie de primeiro-ministro sombra.
Mas esta relação, porventura excessiva, entre legislativas e presidenciais não é de hoje.
Em 1986, o primeiro governo (minoritário) de Cavaco Silva anunciava reformas que incomodavam a esquerda pelo que, após dois mandatos presidenciais de Ramalho Eanes, a eleição de Freitas do Amaral era vista como o regresso da direita mais pesada ao poder que o voto em Soares procurava contrariar.
Após dez anos de Soares em Belém, a eleição de presidencial de Jorge Sampaio em 1996 foi encarada como um virar de página na governação de… Cavaco Silva, primeiro-ministro nos dez anos anteriores e candidato vencido nessa eleição.
E em 2006, apostava-se na eleição presidencial de Cavaco, para moderar a maioria governativa - absoluta e musculada - do então primeiro-ministro Sócrates.
Mas sendo muitas vezes eleitos para vigiar ou controlar os governos em funções, os presidentes costumam ser, nos seus primeiros mandatos, razoavelmente favoráveis a quem governa, ainda que o governo tenha uma cor política diferente do presidente.
O primeiro mandato dos presidentes caracteriza-se, assim, por um significativo esforço de independência; o segundo mandato, nem por isso. Basta recordar alguns episódios que marcaram os respectivos segundos mandatos: Eanes acusado de utilizar Belém para lançar o seu próprio partido, Soares envolvido em conspirações para minar a segunda maioria absoluta do primeiro-ministro Cavaco, Sampaio dissolvendo a maioria absoluta de Santana e Portas (abrindo caminho ao PS de Sócrates) e Cavaco Silva criticado frequentemente por colagem excessiva à maioria cessante.
Em 2016, tanto à direita como à esquerda, não são poucos os que procuram ver as eleições presidenciais de 24 de Janeiro, como um oportuno ajuste de contas.
Alguma direita gostaria de ver diariamente Marcelo Rebelo de Sousa jurar vingança contra António Costa, prometendo vir a ser uma espécie de presidente da oposição. Como não é provável que Marcelo queira reduzir o seu território eleitoral, baseando a eleição presidencial num ajuste de contas sobre legislativas, essa direita não verá a sua pretensão satisfeita. Mas não tendo outra alternativa natural de voto seria estranho que após exigir a Marcelo que seja o candidato “anti-Costa”, essa mesma direita viesse a contribuir para a eleição de um candidato de esquerda que actue em Belém como um seguro de vida do actual governo.
Já no outro campo, a contaminação das legislativas torna-se clara ao pretender-se que em caso de vitória, um Presidente de esquerda mais não venha a ser do que uma muleta da nova maioria. Sem a prudência de Maria de Belém, e com aquilo que já disse sobre aquilo que não lhe compete, Sampaio da Nóvoa demonstra estar à altura desse papel: representar activamente na Presidência apenas uma das metades do país.

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