O melhor do mundo

Inês Teotónio Pereira
ionline 29 Jun 2013
Dizia Fernando Pessoa que o melhor do mundo são as crianças. Concordo: a concorrência é fraquíssima
As crianças gostam de toda a gente. Ao contrário de nós, que quanto mais crescemos mais selectivos nos tornamos, as crianças são do tipo brasileiro: abrem os braços a toda a gente, fazem um grande espalhafato, e no entanto estão-se literalmente nas tintas para toda a gente, tal como os brasileiros. Elas gostam das pessoas, de nós, mas não gostam ao ponto de sentirem falta, de nos trocarem pela televisão ou pelo computador, de se lembrarem de nós. Não há pessoa no mundo de uma criança - tirando os pais - que consiga conquistar o lugar do computador ou da consola no coração dessa criança.
As crianças, apesar de gostarem de toda a gente - ou seja, de não embirrarem especialmente com ninguém -, de quem elas gostam mesmo é dos pais, delas próprias e de quem lhes oferece coisas ou lhes faz cócegas. Tudo o resto é mais ou menos mato cerrado. As crianças gostam de forma pragmática. Não vêem os corações para além das caras - só vêem caras e estão-se borrifando para os corações. Não desconfiam de alguém que lhes dê um saco de gomas, só desconfiam de quem vai a seguir tratar das cáries. É assim, é injusto, mas é assim. As crianças, e esta é que é a verdade dolorosa, passam bem sem nós e passam lindamente sem as outras crianças. Os pais e elas próprias chegam e sobram para fazer a sua felicidade.
Dizia Fernando Pessoa que o melhor do mundo são as crianças. Concordo: a concorrência é fraquíssima. Mas elas são o melhor do mundo porque não trazem mal ao mundo, não é por fazerem bem ao mundo - porque a verdade é que elas não fazem bem nem mal. Comem, brincam, aprendem, choram e pouco mais. É por aquilo que não fazem, como guerras, cobrar impostos, poluir rios, fabricar bombas nucleares ou cometer crimes, que as crianças devem ser consideradas o melhor que o mundo tem.
Mas nós gostamos das crianças, especialmente das nossas - gostar das crianças dos outros depende de algumas variáveis como sejam os gritos, os choros, as birras, a quantidade de ranho que sai do nariz, etc. -, não porque elas sejam o melhor do mundo, mas porque são queridas. É assim como os animais pequeninos: são todos queridos. E a verdade é que toda a gente gosta de coisas queridas. O critério, ser querido, chega e sobra para se gostar de alguém. Aliás, é o mais justo e isento de todos.
O que faz com que seja proibido não gostar das crianças - pois a verdade é que este tema é muito pouco democrático, gostar das crianças é uma obrigação moral, não temos escolha - é a sua inocência e o nosso sentimento de culpa. Nós, adultos, estamos absolutamente convictos de que se não fossemos nós as crianças podiam ser mais felizes quando crescessem. Mas temos remorsos. Temos remorsos do mundo que lhes deixamos e por isso bajulamos as crianças como forma de lhes pedir desculpa. "Desculpem lá a fome em África, o terrorismo, a poluição, as PPP e desculpem não vos podermos garantir que o mundo não acaba nos próximos anos. Mas fiquem bem." E a verdade é que apesar de tudo isso elas gostam de nós. Mais: confiam em nós.

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