O factor desespero
João César das Neves
DN 2013-06-10
Compreender a reacção dos portugueses na terrível crise é tema de inúmeros debates. Surpreende muitos o facto de, apesar dos pronunciamentos incendiários de políticos e activistas, as populações se manterem serenas. Muitos invocam brandos costumes, comodismo e outros disparates. No entanto o facto é fácil de explicar se abandonarmos a cegueira ideológica e olharmos para a realidade.
O elemento central é que os protestos nada resolvem face à inevitabilidade da dívida e tumultos só agravariam a situação. Quando é mesmo preciso cortar, resmungar só estraga. Os militantes fingem ter impacto com a sua fúria, mas mal escondem a própria irrelevância.Existe porém uma discrepância profunda de atitude entre elites e eleitores que surpreendentemente anda alheia à discussão. Como os nossos analistas nunca sobem acima da poeira, perdem de vista o elemento espiritual, sem sequer notar a omissão.
O ser humano participa de um profundo drama existencial. Não é possível viver sem se colocar as perguntas fundamentais: Quem sou eu? De onde vim? Para onde vou? Que faço aqui? Na turbulência quotidiana estas interrogações apagam-se, mas todos os humanos, de todos os tempos e culturas, inevitavelmente as colocam em alguma forma.
Vivemos a primeira época que faz enorme esforço para silenciar a ansiedade primordial. Desde o Iluminismo um punhado de ideologias tenta defender a tese ingénua de que a realidade se limita ao que vemos e tocamos. Num esforço hercúleo de autodecepção, impõem a limitação do homem às funções vitais, recusando qualquer aspecto transcendente. A atitude tem razões louváveis e pragmáticas, defendendo a justiça social e direitos humanos contra a hipocrisia de muitos religiosos. Mas nunca drasticamente a existência daqueles mesmos que diz defender.
Enquanto a tese se limitou a intelectuais os efeitos eram mínimos. Curiosamente, foi quando o ateísmo teórico acabou por constatar a sua falência intelectual que, em seu lugar, surgiu uma versão prática que vive como se o problema não existisse. Foi nesta variante indiferentista e agnóstica que a atitude se entranhou na cultura oficial. O materialismo deixou as universidades e compêndios para se instalar nas televisões e jornais, cafés e blogs. O povo mantém a sensatez secular, mas nos fóruns da moda isso passa por ignorância e banalidade, pois a verdade é encontrada nas opiniões simplistas de comentadores que avaliam tudo em termos político-contabilísticos. Isso mesmo se vê nas explicações da crise.
A recessão afecta todos, e todos sofrem injustiça, cortes, austeridade. Mas a forma como cada um enfrenta o sofrimento faz toda a diferença. O ateísmo da maioria dos activistas introduz no drama económico elementos devastadores. Mergulhados em ideologia céptica, têm de enfrentar o mal numa lógica imediatista e sem remissão. Se o horizonte é a morte e o destino o túmulo, qualquer contratempo constitui uma perda irreparável. Se o juízo divino não existe, os maus ganham sempre e este mundo não tem salvação. Quem vive só para o sucesso e prosperidade, na recessão perde a razão de viver. Quem apenas conta com a justiça humana assume vingança ou impunidade. Quem não tem a perspectiva da eternidade só pode ver uma crise financeira como o inferno. O único resultado plausível é o desespero.
Até os não crentes podem compreender quão diferente a mesma desgraça surge a uma pessoa verdadeiramente religiosa. Alguns anos de aperto parecem muito pouco a quem se dirige à vida eterna. Sofrer na companhia de uma Providência benevolente, que acompanha amorosamente cada passo da nossa vida, permite afrontar sem medo os perigos mais assustadores. O testemunho dos mártires de todos os tempos é um consolo para quem apenas enfrenta falência ou desemprego. A certeza de que o Deus de amor terá a última palavra em todos os assuntos humanos liberta-nos de dúvidas ou temores. Da sua fé, o crente obtém a liberdade face aos acasos, a segurança nas tribulações e, acima de tudo, o bem mais raro nas crises financeiras, a esperança.
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