Anatomia de um boicote aos exames
Alexandre Homem Cristo
i-online 17 Jun 2013
i-online 17 Jun 2013
A escolha de um dia de exames para fazer greve foi premeditado e não uma necessidade imposta pelo calendário
1. O que está em causa. Num contexto de reformas e de austeridade, é fácil de compreender a insatisfação dos professores e será, para alguns, também fácil simpatizar com as suas reivindicações. Mas não é isso que hoje está em causa. O que hoje importa não são os motivos da greve, mas a sua marcação para um dia de exames nacionais, penalizando os alunos e as suas famílias. Há limites para tudo. Até para a greve. E a responsabilidade pelo dano causado aos alunos só pode ser de quem não reconhece esses limites.
2. Uma data escolhida a dedo. No dia 9 de Abril, Mário Nogueira confessava ponderar uma greve aos exames. Mais tarde, nos dias 3 e 4 de Maio, essa possibilidade foi a votos no 11.o Congresso da Fenprof e perdeu. Apesar disso, a greve avançou. Foram marcadas greves para o período das avaliações dos alunos e para os exames nacionais de dia 17 de Junho. Só depois arrancaram as negociações com o governo, para discutir medidas que visavam toda a administração pública, como a requalificação (mobilidade) e as 40 horas semanais. A escolha de um dia de exames para fazer greve foi, portanto, um acto premeditado e não, como têm dito os sindicatos, uma necessidade imposta pelo calendário.
3. A inflexibilidade foi, desde o início, dos sindicatos. Ficando claro que não existe a possibilidade de criar um regime de excepção para os professores, o Ministério da Educação tentou responder às preocupações dos sindicatos com várias cedências. Assim, garantiu que no próximo ano lectivo não haveria professores com horário zero, publicou o despacho de preparação do próximo ano lectivo (onde valoriza várias actividades com alunos como componente lectiva) e ofereceu a possibilidade de adiar um ano a entrada em vigor da mobilidade (só teria efeito em 2015). Do seu lado, os sindicatos não fizeram qualquer cedência. Com o romper das negociações, os sindicatos marcam mais 4 dias de greve.
4. Novilíngua: proteger os alunos é radicalismo, agendar mais dias de greve é dialogar. O governo tentou implementar serviços mínimos, mas sem sucesso, apesar dos precedentes de 2005. Sem serviços mínimos, o Ministério dá indicação ao Júri Nacional de Exames para que todos os professores sejam convocados para o dia de exames, de modo a que a sua realização fique praticamente assegurada. Sem terem, até então, feito uma única cedência, os sindicatos acusam o governo de inflexibilidade, por este não ter mudado a data do exame (que, aliás, não podia alterar, porque não tinha garantias dos sindicatos contra uma nova greve e porque não poderia abrir tão perigoso precedente). A propaganda sindical tem eco nos jornais de referência, onde a convocatória é vista como uma radicalização e a resposta sindical (anúncio de mais dias de greve) como uma "tentativa de diálogo".
5. A Fenprof manteve a ameaça de mais greves. Na derradeira ronda negocial, não se chega a acordo e a greve mantém-se. Contudo, o Ministério disponibilizou-se para negociar a implementação da mobilidade especial, o que acontecerá esta semana. Do lado dos sindicatos, sinais de aproximação, excepto com a Fenprof, que não deu garantias de que não marcaria mais greves. Mário Nogueira é claro: a única forma de desmarcar a greve é haver recuo do governo.
6. Só o governo pensou nos alunos. Esta cronologia de eventos não deixa dúvidas: os sindicatos fizeram tudo para que a greve acontecesse e o Ministério fez tudo para que esta não prejudicasse os alunos. Hoje, resta-nos acreditar que os professores que não se revêem no radicalismo sindical farão a diferença pelos seus alunos.
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