Também de direitos vive a outra parte
Os professores decidiram em consciência, maturada e ponderadamente (quero crer, e creio), exercer um direito que indubitavelmente lhes assiste e que está expressamente consagrado na Constituição da República Portuguesa (Art.º 57.º) - o direito à greve.
Sabemos que a paralisação das actividades ou serviços é um dos recursos mais eficazes à disposição dos trabalhadores, ou do povo em geral, para obter determinada reivindicação - no caso, impedir a aplicação de determinadas medidas que consideram injustas e não aceitáveis.Não concedo, ao contrário do que já vi defendido, que se possa pôr em causa a legitimidade de exercício de tal direito. Não me insurjo, também, contra o momento escolhido: admitindo que tal cause danos aos alunos - sem estar em causa, parece-me, todo um futuro -, o impacto pretendido (leia-se o acordar de consciências, o alertar para o que consideram injusto e intolerável) apenas pode ser obtido em momentos-chave, passíveis de ter a atenção da sociedade civil que, em última análise, julgará as acções e a oportunidade das mesmas.
Temos, portanto, o exercício legítimo de um direito por parte dos professores. Passemos, agora, aos direitos da contraparte, in casu, o Ministério da Educação e Ciência (MEC). Decidiu o colégio arbitral - composto por três árbitros e nomeado por falta de acordo entre as associações sindicais e o MEC - "não fixar serviços mínimos para a greve agendada para 17 de Junho de 2013" (data do primeiro exame do ensino secundário), sugerindo que o exame agendado para dia 17 "fosse adiado para dia 20, já que para essa data não se encontra agendada qualquer outra prova deste ano de escolaridade" (12.º).
Ora, perante tal deliberação, decidiu o MEC recorrer da decisão e não alterar a data dos exames. Parece-me claro e sem muita margem para controvérsia que estamos perante o exercício legítimo de outros direitos, desta vez pela/da contraparte.
Quanto ao recurso, acusar o ministério de "mau perder" e achar a decisão "extraordinária, quando se está a jogar o jogo democrático" (palavras do secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira), é que se me afigura verdadeiramente "extraordinário quando se está a jogar o jogo democrático". O direito a recorrer de uma decisão desfavorável, com a qual a parte não se pode conformar, é um direito de legítimo exercício, precisamente porque vivemos em democracia. Agiria (ou agirá) o secretário-geral da Fenprof em conformidade quando for ele o visado? Terá o secretário-geral da Fenprof, sequer, posto a hipótese de, do outro lado, também estarem convicções e princípios de que não se aceita abdicar?
Do mesmo modo, e quanto à recalendarização dos exames, "preferir[íamos] que o MEC tivesse seguido as orientações que constam das decisões do colégio arbitral" por ser "mais sereno" (no dizer do secretário-geral da FNE, João Dias da Silva), parece-me, em primeiro lugar, por demais óbvio. Qualquer um de nós prefere o mais "sereno" e o que mais convém às nossas pretensões. Todavia, não é este um tempo de discutir... preferências. Porque antes desta, todos (e por todos refiro-me às partes - professores e MEC -, a alunos e a toda a sociedade civil) preferiríamos não estar a viver este momento tão fracturante, grave e doloroso.
Além desta evidência, apresenta-se-me também claro, e preferiria que o secretário-geral da FNE tivesse essa consciência, que o reagendamento prévio dos exames por parte do ministério transformaria aquilo que os professores querem que seja uma greve numa simples falta ao trabalho.
Os professores optaram por uma acção de luta, lançaram mão daquele que é o último recurso posto à disposição de um trabalhador e fizeram-no na firme certeza de que não havia outro. Resta-lhes, então, suportar as consequências, porque o ministério as terá de suportar também. Porque os alunos o farão. Porque todos nós o teremos de fazer.
Advogada (isabelalmeidacoelho@jpab.pt)
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