A propósito da coadoção

Zita Seabra. Expresso, 2013.06.22

Ex-deputada lembra o calvário dos casais heterossexuais para adotar uma criança

Uma criança não é um objeto para uso de um adulto, nem um direito de alguém. A adoção existe para dar uma família a uma criança e não para o inverso.
No entanto, assim aconteceu na argumentação usada no debate que levou à aprovação, na generalidade, do projeto de lei do PS de coadoção por um casal de homossexuais em que a criança se transformou num direito que alguns adultos pretendem ter.
É sabido que a adoção nos casais heterossexuais é acompanhada por múltiplos cuidados para que a criança não venha a sofrer mais ao ser acolhida numa nova família, onde não nasceu. A legislação foi sucessivamente melhorada para salvaguardar os direitos da criança que se encontra geralmente institucionalizada, e consta da lista nacional de adoções, numa situação de orfandade, marcada pela ausência do que há de mais fundamental na vida: uma mãe e um pai — uma família.
Assim, um casal heterossexual que deseje adotar e se inscreva nos serviços do Estado, vai passar um verdadeiro calvário de exames, testes, inquéritos, averiguações de técnicos da Segurança Social. Recentemente, uma minha amiga, juíza, dizia-me que nunca ela e o marido se sentiram tão humilhados na vida, como no tempo — dois anos! —, que andaram a fazer este caminho, até serem considerados aptos para adotar um filho. Foram inquiridos por psicólogos e outros técnicos que lhes escrutinaram a vida toda (souberam quanto ganham, onde gastam, quanto pagam de IRS, como vivem, quantos quartos têm em casa, se bebem ou fumam), e fizeram testes de psicólogos e psicólogas que devassaram a sua privacidade.
Dir-se-á, porém, que a legislação aprovada se refere apenas à coadoção de uma criança por um casal homossexual em que um dos dois já tem, ou irá ter, esse filho.
Não nos estamos a referir a alguém que tem filhos de uma anterior relação heterossexual (com os progenitores vivos). A coadoção está evidentemente excluída nesses casos, porque essa criança tem pai e mãe e, mesmo se ficar ao cuidado do casal homossexual, não perde os progenitores. Trata-se de legislar exclusivamente para casais homossexuais em que um deles tenha um filho adotado ou de procriação medicamente assistida. Legislar-se-á fundamentalmente para duas situações: para os casais homossexuais, em que um deles recorra à adoção de uma criança institucionalizada, ou um casal de mulheres que engravide por inseminação artificial no estrangeiro, uma vez que a legislação portuguesa o impede.
Tal como a igualdade homem/mulher se faz pela garantia dos direitos, contra toda a discriminação, mas em simultâneo com a salvaguarda das diferenças, também em relação aos homossexuais o impedimento de qualquer discriminação só é garantido plenamente no respeito pelas diferenças e não pela criação de pretensos artificialismos igualitários aparentemente de substituição, e que até são, ao fim e ao cabo, em relação aos heterossexuais, privilégio absurdo.
Mal vai uma sociedade em que se consagra que uma criança adotada seja um objeto de substituição de um direito que um adulto considera ser seu.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

OS JOVENS DE HOJE segundo Sócrates

Hino da Padroeira

O passeio de Santo António