A falsa "classe média"

Vasco Pulido Valente Público, 16/06/2013

Apareceu agora uma nova conversa sobre a desagregação, ou colapso, "estrutural" da sociedade portuguesa. Para lá da linguagem fútil e estereotipada com que se costuma falar destas coisas, não se deve ignorar o que tudo isto no fundo esconde: nada mais do que o imparável declínio da "classe média" portuguesa. Mas como se desfez tão rapidamente uma "classe média", que, para um observador desprevenido, até 2011 cresceu e prosperou? Não é difícil perceber. Desde meados do cavaquismo, escrevi dezenas de vezes n" O Independente, no DN e neste jornal que ela não passava de uma "classe média de Estado" e que, nesse sentido, por muito que nos custasse, não era na essência "verdadeira" e tinha o seu destino ligado ao destino financeiro do Estado, em Portugal sempre duvidoso.
Seguindo uma ordem lógica, o Estado começou por aliviar uma parte considerável da população de algumas responsabilidades primárias da vida. A velhice, a doença e a educação (ou herança) dos filhos deixaram de ser um peso no orçamento doméstico e criaram uma nova espécie de gente para quem a irresponsabilidade se tornou normal. Pouco a pouco, o rendimento disponível foi transformado em casas (quando não em "segundas" casas), carros para ele e para ela, viagens, férias com este ou aquele pretexto, enfim, na imitação do que se julgava o consumo "europeu" e "civilizado". Depois disto, para a função pública (que chegou a mais de 700.000 servidores do "povo"), o Estado garantiu o emprego e, logo a seguir, a promoção automática na maior parte das carreiras, que tutelava.
Claro que esta larga distribuição de privilégios não beneficiou, nem pretendia beneficiar, irmãmente os portugueses. As "notabilidades" do Estado e dos partidos apanharam o grosso do dinheiro do contribuinte e da "Europa", ou com alguma limpeza de superfície ou através de uma corrupção geral, que ninguém tentou obstruir ou eliminar. Mas sobrou ainda o suficiente para manter em sossego uma sociedade que vinha do PREC e da Ditadura. Pior do que isso: só meia dúzia de "velhos do Restelo", como se dizia, compreendeu a tempo que o entusiasmo indígena, fundado na dívida e em "subsídios" da "Europa", iria tarde ou cedo acabar na bancarrota do Estado. Hoje, a resistência da "classe média" ao seu empobrecimento tomou a forma de uma exaltação, que o país contempla com desconfiança. Só que não há um processo nem rápido, nem simples para tornar real o que era postiço.

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