Os dependentes
Inês Teotónio Pereira
i-online 2013-06-08
Os pais vivem angustiados com o dia da libertação. Não querem se libertados. Não querem que os filhos não precisem deles. A dependência dos filhos é um vício
O maior peso que os pais carregam é o peso da dependência. Não é o peso do cansaço, das horas mal dormidas ou das preocupações. Isso é nada em comparação com a dependência que os nossos filhos têm de nós. Como dizem as Finanças e bem, os nossos filhos são os "dependentes". Os verdadeiros dependentes. Não há nada mais dependente no universo que os nossos filhos. E toda essa dependência pesa. Pesa na perspectiva das Finanças, pesa fisicamente, pesa psicologicamente, pesa emocionalmente e pesa organicamente. É um peso equivalente a dez camiões tire de cimentos que nós, pobres pais, suportamos diariamente.
Os filhos são verdadeiros paisódependentes: se eles nos pudessem fumar, fumavam-nos sem qualquer moderação. São viciados em nós. Um dos meus filhos fica à porta da casa-de-banho à espera que eu saia, ele tem algum receio que eu fique lá para sempre, ou que fuja pelo lavatório, por isso senta-se no chão e ali fica ansioso. Desde que tenho filhos nunca mais consegui estar sossegada na casa-de-banho, em paz: é impossível, tendo uma criança a suspirar do lado de lá da porta. A morrer de saudades.
Até para dormir eles precisam de nós: precisam da mão, precisam da voz, precisam da história. Eles só nos largam quando caiem inconscientes no sono. Mas ainda assim, quando acordam a meio da noite, a primeira coisa que fazem é gritar por nós, como se não houvesse amanhã. A angústia que se sente neste grito nocturno é tão grande quanto a de um fumador que fica sem cigarros no meio do deserto. E lá vamos nós, aos tropeções e com o coração aos saltos pelo susto que apanhámos, para acalmar a fera. É nestas alturas que me sinto um maço de cigarros.
O pior é que nós pais acabamos por nos viciar nesta dependência. É um fenómeno equivalente ao síndroma de Estocolmo (aquele em que o raptado fica dependente do raptor e não quer ser libertado). Nós, pais, também sofremos deste síndroma. Os nossos filhos raptam-nos cruelmente no dia em que nascem e quando nos querem largar, quando nos querem substituir pelos verdadeiros cigarros, pelos amigos e pelas cervejas, nós não deixamos. Não queremos. Ficamos deprimidos, pomo-nos a chorar pelos cantos e a passar noites em claro à espera que eles cheguem. Detestamos deixarmos de nos sentir cigarros, que eles não nos queiram no quarto e que não queiram levar beijinhos e abraços em público (e em alguns casos mais dramáticos até em casa). De paisódependentes os nosso meninos passam a paisódescartáveis. E nós, de cigarros, passamos a ser um clinex: só quando o frigorífico está vazio é que eles gritam por nós. E depois descartam-nos.
É então que chega o saudosismo: "Quando eles eram pequeninos é que era bom". Como se antigamente, quando eles eram pequeninos, não tivessem existido fraldas mal cheirosas, banhos a meio da noite devido às fraldas cheirosas, noites passadas em claro e choro. Como se antigamente fosse uma fotografia romântica e não um filme de suspense em que a qualquer momento alguém pode partir a cabeça.
Os pais vivem angustiados com o dia da libertação. Não querem se libertados. Não querem que os filhos não precisem deles. A dependência dos filhos é um vício. Um vício que como todos os vícios, quando fica nunca mais sai. Acontece que esse vício pesa nos nossos filhos muito mais do que alguma vez pesou em nós quando a dependência era de ordem inversa.
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