Defesa da honra (deles)
David Dinis
Sol, 24 de Junho, 2013
Na última quarta-feira fui, em trabalho, a uma reunião da Comissão Parlamentar de Acompanhamento da Troika. Uma reunião normal, de organização de trabalhos – apenas com dois jornalistas a assistir. E ali vi uma das maiores provas de decência humana de que me lembro, em 17 anos de jornalismo político.
O presidente da comissão é um socialista: Vieira da Silva. O vice-presidente é um social-democrata, Miguel Frasquilho. Sem qualquer pré-aviso mediático, Vieira da Silva puxou um tema à discussão: um curto texto que tinha preparado para defender o seu adversário político de uma série repetida de acusações de quem tem sido alvo. «Sucessivas, repetidas e prolongadas», acrescentou. E pôs esse texto à votação, de todos os partidos, para que toda a comissão assumisse a defesa pública do deputado do PSD.O caso deve-se a Paulo Morais, um ex-político que anda há um ano a dizer, em crescendo, que há corrupção a rodos na política portuguesa. Entre exemplos vários atirou contra Frasquilho. Porquê? Porque ele trabalha também para o Banco Espírito Santo, que por sua vez assessorou os chineses no processo de privatização da EDP. Sendo que também pertence à comissão que, diz ele, devia fiscalizar essa mesma privatização – que ele assume como «opaca». Está-se mesmo a ver, não está? – lançou Paulo Morais, por exemplo numa entrevista ao jornal i. A verdade é que não, não se está a ver, está-se a insinuar.
E não porque aquela comissão não tem nem a missão, nem as competências para investigar as privatizações em curso. Não porque a questão da EDP nunca foi tratada em nenhuma daquelas reuniões – nem sequer pelo PCP e pelo BE. E, já agora, não porque Miguel Frasquilho sempre se recusou a tratar, na Assembleia, matérias que se cruzem com o banco para o qual trabalha.
Prova dessa lisura foi o que se passou a seguir. Fernando Medina, do PS, fez-lhe um elogio rasgado («comportamento exemplar»). Luís Fazenda, do Bloco de Esquerda, prontificou-se a subscrever o comunicado.
Quanto a mim, resolvi escrever este texto não só porque o gesto de dignidade é raro e meritório, mas sobretudo porque vivemos dias perigosos.
Em tempo de austeridade é fácil semear a desconfiança e atacar os políticos por igual, pegar em meias verdades e deitar lama sobre os que estão na vida pública. É popular pegar em frases sonoras e dizer que os políticos ganham demais, que estão rodeados de serventias e que, para mais, só andam a tratar da sua vida e dos seus negócios.
Quem o diz não percebe – ou não quer perceber – que esse discurso nos empurra para o abismo. Um dia acordaremos e só nos sobram os políticos mal pagos, que vivem só e apenas da política e que não têm ideia do que é a vida, o país ou sequer do que é gerir o Estado – e já estivemos mais longe. Digo-vos mais: daí a que apareça alguém a propor que se acabem com os partidos é um passo pequeno.
Por mim, pelo que conheço destes 17 anos de jornalismo e do Parlamento, garanto-vos isto: há bons deputados, há bons políticos (e até políticos bons) em Portugal, como aqueles que estavam na sala da comissão na quarta-feira. Oxalá não desistam de lutar pelo bem público, cada qual pelas suas ideias.
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