"Ich bin ein berliner"
Foi há precisamente cinquenta anos que John Fitzgerald Kennedy, então Presidente dos EUA, pronunciou, em Schönberg, estas históricas palavras: "Eu sou berlinense!". Berlim tinha sido dividida em vários sectores, aliás como todo o país, na sequência da derrota nazi. A parte oriental da capital ficou sob a administração da URSS, que ameaçava asfixiar as restantes zonas da cidade, caso as potências ocidentais não reagissem contra a prepotência soviética. Na altura, falou-se da necessidade de não aceitar um "estado de chantagem assumida" e temeu-se que a Rússia se aproveitasse da inércia dos EUA e, por arrastamento, dos seus aliados. Foi neste contexto que Kennedy, a 26 de Junho de 1963, disse em alemão que também ele era um cidadão de Berlim. Porque, quando a liberdade é ameaçada nalgum lugar do globo, é-o também em todo o mundo e, por isso, ninguém está salvo.
No passado dia 17 de Abril, o Parlamento português deu mais um passo no sentido da destruição do Estado social. Aprovando, na generalidade, a lei que permite a co-adopção pelo parceiro do progenitor, nas uniões de pessoas do mesmo sexo, os deputados, à revelia da sociedade civil, inverteram a lógica do conceito legal de parentalidade. Esta reforma, que não tem fundamento científico, nem apoio popular, baseia-se numa mentira e numa fraude. Com efeito, ter por pai, ou mãe, quem, na realidade, mais não é do que parceiro do verdadeiro progenitor é dar à mentira o estatuto de verdade legal. Portanto, não era o anterior sistema jurídico que era hipócrita, mas o que agora se quer impor... Que dois ou mais adultos organizem a sua vida como quiserem, é algo que se deve tolerar, ao abrigo da liberdade individual e do respeito pela vida privada pessoal e colectiva. Mas não é admissível que arrastem filhos menores para um tipo de vivência que compromete seriamente o equilíbrio emocional e a realização pessoal destes. Se ser mulher é importante e ser homem o não é menos, porquê privar o menor da referência feminina, ou masculina, se ambas são igualmente necessárias para o seu são desenvolvimento?
Se a adopção está pensada, na lei, em função do bem do menor, e não para satisfazer o capricho do parceiro de um seu progenitor, é evidente que deve ser dada ao filho órfão, ou com pais ausentes ou incapazes, a possibilidade de ser acolhido por uma família natural, ou seja, um pai e uma mãe, como Deus e a natureza mandam. Se o menor for só órfão de pai, ou de mãe, deve-se dar à mulher do pai, ou ao marido da mãe, a possibilidade de acolher o filho do cônjuge, como madrasta e padrasto, respectivamente. Mas, para isso, não é necessário criar nenhum novo conceito, nem duplicar as noções de pai e mãe, até porque, como se costuma dizer, pai e mãe há só um, os que se têm e mais nenhum.
É falso e absurdo que o "marido", ou amigo, do pai, também seja pai, ou que, a "mulher", ou companheira, da mãe, seja mãe também! Se a paternidade e a maternidade se desvinculam legalmente dos correspondentes conceitos genéticos, por que razão não dar a liberdade de ter por "irmãos" filhos de outros pais, que não os próprios, ou de ter como "avós" quem não sejam os pais dos pais biológicos ou adoptivos?! Confesso que me dava um jeitão ser único "neto" de um "avô" milionário sem geração...
Há cinquenta anos, ante a ameaça soviética, o autarca de Berlim, Willy Brandt, quando escreveu a Kennedy, ousou questionar "a capacidade de reacção e de determinação das três potências" ocidentais que partilhavam, com a URSS, a tutela de Berlim. O nosso Parlamento, cuja legitimidade moral é escassa e cuja representatividade política é duvidosa, ousou explorar a inércia da sociedade civil, que foi surpreendida com o facto consumado.
É pena que aqueles a quem cumpre especialmente a salvaguarda dos valores éticos - os cidadãos, as famílias, as religiões, as instituições de solidariedade social, etc. - não tenham tido capacidade de resposta. É pena que, em Portugal, ao que parece, ninguém dê a cara pelas crianças desprotegidas e pelo seu direito fundamental de viver no seio de uma família constituída por um pai e uma mãe, originais ou adoptivos. É por isto também que esta vitória pírrica, que aos órfãos tanto ofende e prejudica, é uma derrota para todos nós.
Comentários
Dando razão em tudo o que diz do artigo gostava de dizer o seguinte:
Não fiquei calada, só não fiz/organizei manifestações porque não são o meu modo de estar
Pelo "interesse do menor" meu marido e eu, lutámos e temos continuado a lutar. Em reposta obtivemos a perseguição do silêncio, calunias e duas filhas maravilhosas. Por isso, acredito que muitos não se tenham empenhado.Talvez também este aspecto, o da perseguição, de que me nunca tive medo, não por coragem mas por temeridade, possa ser abordado.
Apresento os meus respeitosos cumprimentos
Maria Filomena Santos