Por que nunca se resolvem os verdadeiros problemas?

Henrique Monteiro, Público, Terça feira, 4 de junho de 2013 

Andava à procura de um artigo no arquivo do Expresso e eis que dou com outro. Escrito há 10 anos, constitui - digamos - a prova em como nenhum problema em Portugal será resolvido racionalmente.
O artigo em causa versava a constituição de novos concelhos. Como sabem, durante uns tempos, o pessoal de Vizela, da Trofa, de Fátima, de Canas de Senhorim batucavam o dia todo para ter direito a um concelho. Outros, de terras mais pequenas, marchavam pelo direito a serem cidades ou vilas ou o que fosse. Alguns conseguiram os seus intentos, outros não, mas no geral o Parlamento, a quem compete esta decisão, não gosta de contrariar os caciques locais. Se mais não passaram foi porque, uma vez, Jorge Sampaio, então Presidente da República, vetou a passagem de Canas de Senhorim e de Fátima a concelho.
Nessa altura, há 10 anos exatos, escrevi o seguinte: "Seria bastante interessante que o Parlamento se debruçasse, ao menos uma vez, não sobre a forma de conquistar votos - elevando a concelhos pequenas terras como Canas de Senhorim e fazendo subir a vilas meras aldeolas -, mas sobre a realidade do país que temos e acerca da forma alegre como o dinheiro do contribuinte é gasto. Porque, enfim, já se sabe que qualquer pequeno concelho há de ter as suas comodidades: uma piscina, dois "courts" de ténis, um centro de saúde, um centro de dia e centros afins que contribuem para o progresso, bem-estar, segurança e lazer das populações.
O problema é quando verificamos que alguns destes concelhos têm menos gente do que uma só rua em Lisboa, Porto, Gaia ou Amadora. E que, pelos rácios sempre tão apropriados à equitativa distribuição dos bens, certas ruas de Lisboa ou do Porto, haviam de ter, também elas, duas piscinas, quatro "courts" de ténis, dois centros de saúde, dois centros de dia e o que mais fosse necessário, de modo a que ninguém se sinta prejudicado - já não pelo célebre custo da interioridade -, mas sim pelo verdadeiro custo da urbanidade! Ou, o que é pior, pelo custo da suburbanidade, que é o custo maior que um cidadão pode pagar (sobretudo contando com o tempo gasto em transportes para chegar ao local de trabalho)."
Ou seja, não pretendendo eu ser um vidente, posso dizer que há 10 anos (estávamos no Governo de Durão Barroso) já havia a ideia de que era necessária uma reforma autárquica. Porém, o que estava em cima da mesa não era extinguir, mas criar municípios.
Curiosamente, um ano antes, em 2002, havia ainda escrito o seguinte: "Os custos da suburbanidade são, aliás, totalmente desprezados entre nós. Os governos que pedem aos portugueses que paguem solidariamente custos de insularidade e de interioridade nunca se lembram daqueles que, porventura, mais custos têm em termos de qualidade de vida. Horas para chegar ao emprego e para voltar a casa. Dormitórios sem condições, muitas vezes sem serviços sociais mínimos. Os quais, ainda por cima, sendo na generalidade trabalhadores por conta de outrem, com rendimentos baixos e intermédios, devem ser daqueles que mais impostos pagam".
Como veem, nada mudou. Nunca houve coragem. E daí o título derrotista deste post. Custa-me muito acreditar que se consiga resolver problemas verdadeiros neste país. Não me refiro a equilibrar as contas à bruta ou a levar os bancos a emprestar mais ou menos dinheiro. Refiro-me a questões estruturais de justiça.

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