Escola pública: ao serviço das famílias ou dos líderes político-sindicais?

João Carlos Espada, Público, 17/06/2013

Espero, francamente, que o bom senso dos meus colegas, professores do ensino básico e secundário, prevaleça hoje, pelas 9h30, e que os 95 mil alunos do 12.º ano possam fazer serenamente o seu exame de Português. Espero também que a intransigência revelada pelos líderes sindicais possa pelo menos servir para uma reflexão alargada sobre a necessidade de defender a escola pública -- mas uma escola pública que esteja ao serviço dos alunos e das famílias, não dos líderes político-sindicais. Aqui ficam alguns contributos para essa reflexão.
Em primeiro lugar, creio que deve ser elogiado o espírito de moderação e abertura revelado por Nuno Crato, ministro da Educação e Ciência. Não sendo eu especialista nestas matérias, julgo ter compreendido que o ministro foi para a mesa de negociações com duas razoáveis propostas de compromisso: (1) que o aumento do horário laboral, comum a toda a função pública, não incidisse, no caso dos professores, na componente lectiva, mas apenas na não-lectiva; (2) a garantia de que o chamado sistema de mobilidade não afectaria, na prática, os professores do quadro.
Os líderes sindicais, sobretudo da chamada Fenprof, afecta ao PCP, recusaram ambas as propostas. Aliás, a Fenprof anunciara a greve aos exames de hoje ainda antes de se sentar à mesa das negociações. E fez mais: quando, na sexta-feira passada, o ministério fez a derradeira proposta de compromisso - mudar a data do exame de dia 17, pedindo em contrapartida que os sindicatos garantissem não fazer novas greves em datas de exames - os líderes sindicais voltaram a recusar.
A conclusão é bastante clara para qualquer espectador imparcial: os líderes sindicais não queriam de facto chegar a qualquer compromisso. O seu objectivo é única e exclusivamente perturbar, e se possível inviabilizar, o sistema de exames e provas finais que começa hoje e prossegue, num calendário bastante apertado, até 18 de Julho.
Nestas condições, a atitude de compromisso de Nuno Crato não podia ir mais longe do que foi. Se aceitasse sem condições adiar o exame de hoje, todo o calendário de exames até 18 de Julho ficaria dependente das futuras decisões arbitrárias dos líderes sindicais. Os prejuízos para os alunos e as famílias seriam incomparavelmente maiores. Um clima de ansiedade e incerteza passaria a dominar todos os exames, não só o de hoje.
Qual é a razão que explica a intransigência dos líderes sindicais? Não me refiro a razões de ordem pessoal e psicológica, que são para o caso pouco relevantes, algumas das quais estando obviamente ligadas à sobreposição de carreiras sindicais com carreiras político-partidárias. Também não me refiro aos privilégios de que gozam os líderes sindicais (os professores descontam os dias de greve, os sindicalistas não, sendo os seus salários igualmente pagos pelo Estado).
Também não me refiro à decisão absolutamente peculiar de um colégio arbitral que recusa serviços mínimos aos exames - contrariando decisões anteriores, em casos idênticos, do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Constitucional. Este caso, que configura um sério desafio aos princípios do Estado de direito, precisaria de outra crónica.
A pergunta que faço é mais estrutural: por que assistimos repetidamente, em todos os Governos, a guerras entre os líderes sindicais e os ministros da Educação? Por que são os líderes sindicais insensíveis aos danos causados a alunos e famílias?
A resposta emerge da experiência: porque alguma coisa, na forma como está estruturada a escola pública, a torna refém dos líderes sindicais. Essa alguma coisa é muito simples: as escolas do sector público são centralmente dirigidas, em vez de serem dirigidas localmente e terem de responder às escolhas das famílias.
Se as escolas públicas fossem dirigidas por si próprias e tivessem de atrair a escolha livre dos alunos e respectivas famílias, toda a lógica do sistema seria alterada. Em vez de viradas para cima e para um centro decisor único - o ministério - passariam a estar viradas para baixo e para muitos centros decisores - os alunos e as famílias. Cada escola teria um incentivo para melhorar, para contratar e reter os melhores professores, para oferecer os melhores e mais imaginativos serviços. As suas receitas passariam a vir dos vouchers que o Estado garantiria às famílias e que estas usariam na escola da sua preferência.
Não se trata de um plano utópico. Este sistema foi introduzido na Suécia, está a ser introduzido no Reino Unido, existe em pelo menos seis estados norte-americanos, e continua a expandir-se.
O ministro Nuno Crato teve o mérito de, ainda antes de ser ministro, defender os professores, os alunos e as famílias contra os dogmas destrutivos do "eduquês". Teve o mérito de reintroduzir mais avaliações e mais exigência na escola pública, também em defesa dos alunos e das famílias. Deve agora ser coerente. Deve explicar aos professores, aos alunos e às famílias por que os líderes sindicais se recusaram a negociar. E deve propor a reforma do sistema educativo de forma a que a escola pública possa estar ao serviço das famílias - e não dos líderes político-sindicais.

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