O «direito fundamental» a morrer

rui a. | Blasfémias | 10 FEVEREIRO, 2016

A esquerda, que, com frequência, prega o ateísmo, acredita que a perfeição não é do outro mundo, mas deste. Num mundo perfeito não há lugar à dor, à tristeza e à tragédia. Num mundo perfeito as pessoas vivem felizes e saudáveis para sempre. E não deveriam envelhecer, nem adoecer, nem transformarem-se num transtorno para os outros e para si mesmos. Esse mundo perfeito pressupõe que atacar tudo que atente contra ele se transforme num «direito fundamental». Até mesmo a morte, quando a vida se torna já difícil de suportar. Pois bem, a morte não é um direito fundamental, mas uma fatalidade incontornável da natureza humana. E, por melhor que a vida nos corra, ela acabará sempre mal. Não é, portanto, necessário transformar a morte num «direito fundamental», como a esquerda indígena se prepara para tentar fazer, porque ela está assegurada pela natureza das coisas. Não carece de protecção constitucional, porque se realiza por si mesma. Mas, argumenta-se, uma coisa é a fatalidade da morte, outra bem diferente é o direito a morrer com dignidade, o mesmo é dizer, a decidir a própria morte. Duvido. Porque morrer será sempre um momento indesejado e doloroso para quem vai e para quem fica. Porque nunca se morre bem, pelo menos para quem parte. E porque ajudar a morrer para poupar os que ficam é uma desumanidade inominável. Viver é também sofrer, e quem não tenha isso presente no espírito não viverá nunca bem. Os mundos perfeitos só existem na convicção dos crentes, mas não pertencem a este mundo. Ajudar os outros a morrer poderá ser um acto de grande dignidade. Mas poderá ser também uma demissão da nossa condição humana. Por ora, o que não me parece nada conveniente é que um tema tão sensível se transforme numa arma de arremesso político-partidário, em mais uma «causa fraturante», a juntar às muitas que, nos últimos anos, têm dividido a sociedade portuguesa, como se estivéssemos a discutir mais uma rubrica do orçamento de estado. Ao longo da vida, a respeito deste penoso assunto, apenas alcancei uma certeza: que o melhor que poderemos fazer por quem esteja irremediavelmente condenado não é antecipar a sua condenação, mas amá-lo profundamente enquanto estiver entre nós.

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