Um Orçamento para comprar votos
Alexandre Homem Cristo
Observador 22/2/2016
O sacrifício da credibilidade internacional e a escolha do risco sobre a prudência são o preço que PS se dispõe a pagar para comprar votos e legitimidade política, favorecendo quem lhe é mais próximo.
Começa hoje o debate na generalidade do Orçamento de Estado para 2016 (OE2016), num momento em que o que importa já não carece de discussão. Desde a sua apresentação, o OE2016 foi sujeito a críticas e alterações significativas em Bruxelas, dúvidas apontadas em Portugal e uma errata de 46 páginas que refez contas e tabelas – e que expôs um amadorismo inimaginável (que faria escândalo se o ministro se chamasse Vítor Gaspar). Ou seja, o veredicto sobre o OE2016 está feito, nomeadamente pelos mercados, agências de rating, instituições financeiras e parceiros europeus: falta credibilidade ao documento e ao compromisso do governo na consolidação das contas públicas.
Dizer isto é o mesmo que declarar que falta tudo. Nada é mais importante do que a credibilidade – nem os valores do défice, nem os da consolidação estrutural. Esta é a primeira lição que o PS e os seus parceiros à esquerda ignoraram do programa de assistência financeira: nunca foi uma questão de ajoelhar perante Merkel ou Bruxelas, mas de mostrar compromisso. Como demonstra o Pedro Romano, a diferença entre consolidar contas por sentido de dever (PSD-CDS) e consolidar contas por obrigação depois de levar um raspanete em Bruxelas (PS-BE-PCP) é a diferença entre a confiança e a desconfiança internacional – e a segunda impõe a vigilância dos mercados e um custo muito severo para o país.
A segunda lição que o PS ignorou é que a prudência é a melhor resposta perante a incerteza. E a incerteza domina o contexto internacional específico em que o OE2016 surge. Para Portugal, é o de um país que completou um programa de ajustamento duríssimo, mas que ainda tem uma economia débil e os pilares da sua recuperação demasiado instáveis. É também o contexto de um mundo à beira de uma nova crise financeira, que tantos já dão como certa, quando ainda nem sequer se superou a que assola as economias europeias desde 2008 – uma crise para ampliar a crise. E é, por fim, o contexto de uma União Europeia sob intensa pressão, seja por via da crise dos refugiados e da ascensão eleitoral de partidos inimigos da liberdade (tanto à direita como à esquerda), seja por via da ameaça de saída do Reino Unido (o “Brexit”), cujos efeitos seriam imprevisíveis, mas certamente catastróficos, para o projecto europeu. Ou seja, a solidariedade internacional vai esmorecendo, de resto como prova uma das condições negociadas pelo Reino Unido – não ter de contribuir para resgates a países da zona euro.
Neste contexto internacional, independentemente do que se pense sobre Bruxelas e os mercados, um país como Portugal tem de estar preparado para o que não está nas suas mãos, tem de antecipar problemas e tem de preparar atempadamente soluções. Tem, lá está, de responder com prudência à incerteza. Ora, o OE2016 faz o inverso: assume objectivos improváveis e arriscados, expõe o país em demasia às oscilações dos mercados e cria novos problemas.
O que leva o PS a ignorar duas lições que, de tão evidentes, todo o país as assimilou durante o programa de assistência? Ao contrário do que muitas vezes se escreve – e PSD e CDS têm repetido – a opção não é ideológica nem deriva de uma visão socialista da economia de mercado. A opção é meramente pragmática: o PS aprendeu estas lições, mas está disposto a ignorá-las para, através da máquina do Estado e da redistribuição dos dinheiros públicos, cativar os votos das corporações e clientelas que lhe faltaram nas legislativas de 2015.
O que realmente importa está aqui: o OE2016 é um manifesto, um instrumento de campanha eleitoral para legislativas que António Costa forçará oportunamente. O sacrifício da credibilidade internacional e a escolha do risco sobre a prudência são, portanto, o preço que o PS se dispõe a pagar para comprar votos e legitimidade política, favorecendo os sectores da sociedade que lhe são mais próximos e entregando sectores públicos por inteiro às respectivas corporações. É irónico, por isso, ouvir dirigentes socialistas, entre apelos patrióticos, acusar a direita de “agir na sombra” para prejudicar Portugal. É precisamente isso que o PS faz com o OE2016. Mas às claras.
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