Se não o podes demitir, atira-te a ele
Paulo Ferreira
Observador 19/2/2016
Esta acção de “bullying” sobre o governador fragiliza o Banco de Portugal. É uma briga que tem mais de partidário do que de institucional e que não nos levará a um resultado melhor do que temos agora.
Quando ocorreu em meados do ano passado, considerei a recondução de Carlos Costa como governador do Banco de Portugal um erro dispensável e justifiquei essa opinião. De então para cá, os acontecimentos não me fizeram mudar de opinião.
Continuo sem entender qual é o projecto do governador para a instituição e a forma atabalhoada como foi gerida a queda do Banif só reforçou a ideia que a supervisão continua a não funcionar como se devia esperar.
Mas se a recondução foi um erro institucional e político, o que se está a passar nos últimos dias em relação ao Banco de Portugal não lhe fica atrás. É que o erro do anterior do governo não pode justificar outro que está a ser cometido por este governo.
A propósito de uma suposta solução para resolver o problema dos lesados do grupo Espírito Santos – assunto tem mesmo que ser resolvido – o Governo criticou publicamente, de forma nunca vista, o governador, acusando-o de irresponsabilidade.
O que temos de concreto e palpável sobre este assunto é, para já, nada. Conhecemos as acusações graves de António Costa, que este fez questão de não justificar com factos. E sabemos das suspeitas levantadas por Passos Coelho, que afirmou, sobre o tema, que “há factos que têm gravidade” também sem dizer quais.
E tudo isto é, de facto, de grande gravidade para nos ficarmos por meias palavras, insinuações e acusações públicas não sustentadas em factos.
Que os socialistas não gostam de Carlos Costa não é de hoje. Que preferiam vê-lo fora do cargo é sobejamente conhecido. Mas a blindagem do mandato num cargo que se quer independente do governo e dos partidos existe para alguma coisa. Impedidos pela lei de o demitir formalmente e de o acompanhar à porta, estão a tentar empurrá-lo pela escada abaixo. Isso ultrapassa os limites do mais básico sentido de Estado e pode causar ainda mais danos num sector que vive de uma confiança que desbaratou nos últimos anos.
O que se espera nas próximas horas é que o Governo explique sem margem para dúvidas que solução propunha para os lesados do GES, a que acordo chegou com as várias entidades envolvidas – além dos investidores no papel comercial, também a CMVM, o Novo Banco e o próprio BES – e como é que o Banco de Portugal está a bloquear esse entendimento. Pode haver até boas razões para que essa proposta de solução não seja aceite pelo supervisor bancário. Ou, pelo contrário, podemos concluir que o Banco de Portugal se enredou em lógicas incompreensíveis para impedir a resolução de um problema que não dignifica ninguém.
Continuar, sem explicações, esta acção de “bullying” sobre o governador fragiliza de forma pública o Banco de Portugal. É uma briga que parece ter mais de partidário do que de institucional e que não nos levará, certamente, a um resultado melhor do que temos agora.
Paralelamente, assistimos ontem a críticas do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista a propósito dos resultados de uma auditoria externa à actuação do Banco de Portugal no caso BES/GES.
O trabalho foi pedido pelo próprio BdP à consultora Boston Consulting Group e, de acordo com o Diário Económico, poderá ter concluído que houve “falta grave” na forma como o supervisor lidou com a queda do banco.
Têm toda a razão os deputados dos dois partidos ao exigirem a divulgação pública do documento. O BdP invoca motivos de “confidencialidade” para não o fazer mas essa reserva é inadmissível quando estamos perante a avaliação de entidades públicas num regime democrático.
Este é o velho Banco de Portugal, com os seus tiques e a sua cultura de secretismo absoluto, a tentar travar qualquer tentativa de escrutínio público sustentado, para além das politizadas comissões parlamentares de inquérito a que não pode mesmo fugir.
Que se divulgue o documento, que se analise decentemente e que dele se tirem todas as consequências. Sejam elas quais forem.
Mas entre as críticas com base numa auditoria externa, que se espera ser um trabalho sério e sustentado, e a bravata aberta pelo governo a propósito de factos que ninguém conhece vai um mundo de diferenças. Num caso estamos a contribuir para o reforço e dignificação das instituições e no outro a fragilizá-las irresponsavelmente. É muito preocupante que o Governo não distinga uma coisa da outra.
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