Portugal, Portugal
João Duque
Expresso, 2016.02.20
Dr. Passos Coelho esqueça o Portugal liberal.
Não pense que estas palavras são escritas no intuito de o frustrar na persecução de retomar o poder executivo. A sua recente vitória eleitoral até lhe pode dar esse ânimo, essa ilusão, mas a questão não é essa. A questão é saber qual o uso a dar ao exercício desse poder.
O senhor apresentou-se aos portugueses como uma pessoa que ia executar o programa negociado entre o seu partido, o PSD, o PS e a troika. Nele tinham inscrito uma visão que ia muito além do mero equilíbrio das contas públicas.
No desenho inicial do programa, previa-se a abertura da economia portuguesa à Europa e ao mundo com a entrada (quase a troco da nossa sobrevivência) de capital estrangeiro e de uma intervenção desse novo capital na governança das nossas empresas.
Nesse memorando forçava-se a abertura da economia portuguesa à influência externa. Obrigava-se a abertura de portas à concorrência, aos preços de mercado internacionais, ao aumento da eficiência das empresas e à purga das empresas ineficientes. Portugal passaria a ser um espaço aberto em que as empresas europeias e portuguesas podiam desenvolver atividade de modo livre sujeitas ao primado da livre iniciativa e da economia de mercado.
Nessa perspetiva sempre comunicou que a atividade empresarial não lhe dizia diretamente respeito como chefe do governo e que não competia ao Estado orientar a economia. Os empresários e o mercado apontariam os caminhos a percorrer.
Os aventureiros partiram. Partirão mais ainda. E só o seu regresso pode voltar a dar alento a um Portugal assustado, desejoso de repartir migalhas de direitos
Mas essa é a visão de um Portugal com menos Estado e mais iniciativa privada. Não significava que os cidadãos fossem privados dos serviços ou dos bens, mas apenas que deixavam de ser providenciados pelo Estado. Logo, com uma atividade sujeita a risco.
Mas como pode pensar que os portugueses querem tal? Em Portugal há 658.500 funcionários públicos, 482.700 reformados e aposentados da CGA, 2.987.182 pensionistas da Segurança Social. Some ainda os 56.700 colaboradores das empresas públicas e some também os que voltarão em resultado das reversões. Haverá em Portugal uma família que não tenha pelo menos um elemento do seu agregado sem depender do Estado? Não será isso que todos querem? Não era esse o modelo de dependência que era desejado pelas empresas em Portugal?
Como poderá então esperar que todos estes portugueses não desejem o contrário do que quis para Portugal?
Os aventureiros partiram. Partirão mais ainda. E só o seu regresso pode voltar a dar alento a um Portugal assustado, desejoso de repartir migalhas de direitos.
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