Jesus é para aqui chamado?
FÁBIO MONTEIRO
Expresso, 2016.02.26
Cartazes do Bloco de Esquerda para celebrar a aprovação da lei da adoção gay somaram críticas de políticos e católicos
Desde o final de quinta-feira, um dos cartazes da campanha do Bloco de Esquerda para assinalar a aprovação da adoção por casais do mesmo sexo tornou-se viral na internet: o fundo cor-de-rosa e a mensagem são explícitos:
“Jesus também tinha dois pais – Parlamento termina discriminação na lei da adoção.”
Esta imagem, divulgada nas redes sociais faz parte de uma série de cartazes, autocolantes e outdoors que, a partir de sábado, vão (ou iam, pelo menos em parte) colorir as ruas de Portugal. Para além do cartaz que representa Jesus, haverá um outdoor horizontal com a palavra “igualdade” em grande destaque, onde aparecem quatro miniaturas de diferentes tipos de famílias. O objetivo é o mesmo: assinalar a data de 10 de fevereiro de 2016, dia em que foi aprovada a adoção por casais do mesmo sexo.
O problema é que a polémica que se levantou já levou o bloco a recuar e o cartaz polémico não vai chegar às ruas, limitando-se a circular na internet e pela redes sociais.
Para Sandra Cunha, deputada do BE, a reação da Igreja Católica depende “do seu sentido de humor”, para “perceber que é uma brincadeira”. O objetivo “não foi de todo ofender a religião”, garantiu. É sim por a população a “falar” sobre os casos de “famílias diferentes” de uma “forma divertida”. Se a legislação “é o instrumento para impulsionar”, o debate público tem o papel de “desconstruir muitos preconceitos”, explicou.
Mais: esta “piada” não é nova, lembrou a deputada do Bloco de Esquerda. Na verdade, surgiu numa igreja. Em 2013, o pastor de uma igreja Metodista, em Nashville, nos Estados Unidos, decidiu afixar na entrada da sua congregação a mensagem: “Jesus tinha dois pais e correu tudo bem” (na altura, não foi muito bem interpretado.) Tal como o pastor norte-americano, Sandra Cunha disse que os dois pais que o cartaz refere são “o pai espiritual e o pai terreno”.
Fé, respeito e humor
Este tipo de humor não foi manifestamente bem acolhido. “É uma analogia sem grande sentido, de mau gosto e aproveitamento”, disse o padre Manuel Barbosa, porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa. Mais: “Cada um assume e diz aquilo que quer”, explica, mas “meter Jesus Cristo na conversa não é de bom tom.”
No mesmo sentido, D. António Marto, bispo de Leiria-Fátima e vice-presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, considerou a iniciativa “lamentável, de mau gosto e injurioso, uma falta de respeito para com os que creem”.
Já Carlos Rocha, presidente da Associação de Médicos Católicos Portugueses (AMCP), questionou se não “haverá algum triunfalismo” e “infantilidade” ao optar por um cartaz deste tipo. “Tenho muita pena dessa situação. Também há católicos no BE”, lembrou. Parafraseando uma frase bíblica, disse “eles não sabem o que fazem”, garantindo que não vai “deixar de rezar por eles”.
As reações negativas não se ficaram pela hierarquia da Igreja. “A utilização do ícone católico está no mínimo deslocada. Somos defensores da construção de pontes e parece-nos que essa criação não passa por dinâmicas de conflito”, disse José Leote, coordenador nacional da Associação Rumos Novos – Homossexuais Católicos. “Não é pela confrontação que as pessoas vão ficar mais sensibilizadas. O que este cartaz consegue é criar maior hostilidade”, acrescentou.
Heresia política
No campo político, as opiniões criticas não são muito diferentes. “Este cartaz é uma ofensa gratuita à sensibilidade de muitos portugueses, sejam eles crentes ou não”, disse o deputado do CDS/PP Pedro Mota Soares, acrescentando que é “ainda mais escandaloso” por vir do Bloco de Esquerda, “um partido que se diz laico e que está sempre a defender a laicidade do Estado”.
Mota Soares lembrou ainda o episódio em que o comentador Pedro Arroja (Porto Canal) chamou às “meninas” do Bloco de Esquerda do Parlamento “esganiçadas”. Nessa altura, diz agora o deputado do CDS/PP, “caiu-lhe tudo em cima, e bem na minha opinião, mas agora pelos visto já não há problema”.
Eurico Brilhante Dias, deputado do PS, apesar de ter votado a favor da lei da adoção por casais do mesmo sexo, disse ao Expresso que não votou “contra ninguém” e por isso acha este cartaz do BE uma “atitude infantil”, que só “divide em vez de somar”.
Como se não bastasse, até de dentro do Bloco de Esquerda surgiram vozes críticas. "Acho que saiu ao lado da intenção pretendida. Foi um erro", afirmou na sua página no Facebook Marisa Matias, eurodeputada e ex-candidata presidencial.
Afinal era só para as redes sociais...
Durante a tarde desta sexta-feira, o Bloco de Esquerda emitiu um comunicado onde garantiu que a imagem viral "não se trata de um cartaz, mas da forma de, nas redes sociais, com recurso ao humor, chamar a atenção para a conquista da igualdade entre todas as famílias". Durante a parte da manhã, a versão de Sandra Cunha, deputada do Bloco de Esquerda, em declarações ao Expresso, era diferente: “A imagem que tem escrito igualdade vai ser afixada em outdoors e esta a viral em cartazes.”
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