Carta aos amigos do Bloco de Esquerda


Caros amigos,
Sim, amigos.
Bem sei que ainda vamos no início, mas explico já esta primeira parte: considero amigos aqueles a quem quero o bem. E, sinceramente, quero-vos bem. Não ponho a hipótese de, como eu, vocês não procurarem a vossa felicidade; não ponho a hipótese de vocês não quererem o bem para os vossos filhos, exactamente como eu quero o bem para os meus. Naquilo que é o essencial da vida, nós somos iguais, irmãos, os mesmos. Temos o mesmo coração, o mesmo mais profundo desejo pulsa-nos exactamente com a mesma intensidade.
Além disto, vocês ajudam-me, como cristão, a tentar e a querer ser melhor todos os dias, porque a vossa postura, as vossas ideias – completamente opostas às minhas, na maioria das vezes – ajudam-me a querer afirmar mais seriamente as minhas, a querer viver mais abertamente as minhas. Se eu considero, experimento e verifico que viver de certa forma me deixa profundamente feliz, inteiramente realizado, então ver, através dos vossos cartazes, aquilo que me faz feliz ser tão banalmente atacado faz-me pensar: tenho que ser mais eficaz em mostrar a mais gente que precisamente essas ideias são as que fizeram, fazem e farão tanta gente feliz. Nisto que acabo de dizer, estou acompanhado não apenas por milhares de milhões de pessoas, mas também por dois milénios – tempo suficiente para tirar boas conclusões.
Quanto à questão que me leva a escrever-vos esta carta, os tais cartazes que andam a publicar, estilo versão soft do Charlie Hebdo: passo rapidamente o pormenor da vossa absoluta necessidade de tentar chocar para afirmar uma ideia (se é boa, valerá por si, certo?). Queria, isso sim, e sem pretensão de ensinar nada a ninguém, falar-vos da eficácia da forma que escolheram, do marketing da coisa, do processo que usamos quando queremos passar uma mensagem. Salta à vista, para um internauta comum, a imagem de Jesus, de Nossa Senhora – e sabe Deus o que mais aí virá – mas salta a vista, dizia eu (que não percebo nada de marketing), que há ali um enfoque de 90% na tentativa de chocar e de 10% na celebração da vossa vitória politica.
Isto faz-me vir à cabeça a seguinte ideia: pensem que o vosso filho faz dois anos. É uma data excelente, uma alegria imensa, uma vitória em si, que deixa qualquer pai feliz! Não vos parece que seria um absurdo convidar os amigos para a festa de anos e dizer a cada convidado, à saída: “Bem feito! Quem fez anos foi o meu filho, não o teu, que, aliás, cheira a chulé!”? Daria a ideia de um pai tão ridiculamente inseguro com a própria vida, tao absurdamente insatisfeito com o próprio evento, que, para recalcar qualquer frustração sua, procuraria rebaixar os outros daquela forma mesmo muito infantil usada pelas crianças que fazem bullying.
Mas essas crianças que fazem bullying, fazem-no por uma qualquer razão. E quando se tratam casos desses, como talvez saibam, a forma mais eficaz é indo ao historial da criança e ver o que fomentou aquela insegurança tão forte. Essa é a única maneira eficaz de resolver uma situação séria como o bullying. Esses cartazes dão-nos um bocadinho essa sensação do adulto que tenta fazer bullying: “Não foi gratificante a vitória politica pela aprovação das nossas leis. Não, isso não chega. Não foi bom o suficiente. Não era isso que procurávamos, foi poucochinho, temos que ir mais longe. Vamos espezinhá-los precisamente onde lhes dói mais.” Peco desculpa pela franqueza e pelo carácter público da carta mas penso que é evidente que há qualquer coisa que precisam de ver e pensar, na vossa tentativa de bullying entre crescidos.
Como cristão que me orgulho de ser, fico às vezes abismado com o Cristianismo que me foi transmitido. Acho admirável que esta religião que me torna tão feliz, diga coisas tão aparentemente absurdas: como é que e possível que eu queira bem – e aqui sejamos honestos – a quem me quer muito mal? É que nós, cristãos, queremos profundamente o bem e a felicidade a quem se afirma nosso inimigo. Não o bem imediato, claro, mas o Céu, que é o que melhor eu posso imaginar; o bem supremo que desejo para mim e para cada um de vós! Reparem: nós somos perseguidos há dois mil anos, já temos calo disto, são muitos anos a virar frangos! E mesmo assim “damos a outra face”. Mas damo-la mesmo, alegremente. E mais: rezamos mesmo por vocês. Não estou a brincar ou a exagerar!
Apesar do tom eventualmente irónico ou provocador de uma ou outra parte desta minha carta, a minha intenção é somente tentar mostrar que o método agora usado por vocês como provocador apenas nos faz, enquanto cristãos, querermos ser melhores e amar-vos mais, querer mais intensamente o vosso bem.
Não é masoquismo. Simplesmente nestas situações vêm-nos logo à cabeça aquelas palavras que já ouviram com certeza:
Bem-aventurados sereis quando vos caluniarem, quando vos perseguirem e disserem falsamente todo o mal contra vós por causa de Mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus.
Um abraço,
Bernardo do Valle de Castro
P.S.: se me permitem, vi isto ontem e recomendo-vos. Explica bem melhor que eu o que vos quero dizer:

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