Isto não é uma guerra campal nem um jogo de computador

Raquel Abecasis, RR-online 08 Fev, 2016

Está ainda o país abananado com decisões parlamentares e já outro tema quente entra na agenda. A eutanásia.

O país político, bastante diferente do país real, gosta de se entreter a rotular a sociedade em duas facções: os liberais modernos e os conservadores retrógrados.
Em função desta falsa divisão, arrasta-se o país para decisões que alteram toda a estrutura de uma sociedade, sem que ela tenha sequer tempo para pensar nos prós e contras de tais alterações nem tão pouco procurar informar-se com estudos e outras experiências que possam servir de suporte a uma tomada de posição consciente.
A reversão de ajustes à lei da interrupção voluntária da gravidez, votados há poucos meses por uma maioria parlamentar em resposta a uma iniciativa legislativa de cidadãos que reuniu 48 mil assinaturas, demonstra bem o respeito que alguns políticos têm pelas escolhas democráticas que não são conformes às suas opiniões. É a lógica do ir a votos até dar o resultado esperado e, posto isto, encerra-se a questão. Foi assim com o referendo ao aborto e será assim sempre que for necessário. São as regras de alguns democratas.
O Presidente vetou esta lei, bem como a que autoriza a adopção por casais do mesmo sexo, rapidamente aprovada sem que o país tivesse tempo de respirar ou sequer de se dar conta de que o tema estava em debate no parlamento. Cavaco Silva alega, aliás, como motivação para o veto a falta de debate na sociedade sobre os temas.
Um escândalo! Um Presidente de facção que, graças a Deus, está de partida! Há que dar-lhe a devida resposta e remeter os diplomas tal qual estão de volta a Belém, para humilhar o presidente.
Está ainda o país abananado com estas decisões parlamentares e já outro tema quente entra na agenda. A eutanásia. Para percebermos a discussão que se avizinha basta atentar nos pressupostos dos subscritores da proposta: “Trata-se de uma questão de direitos individuais, que não deve levar em conta convicções religiosas nem ser submetida a referendo”. Ou seja: “Não estamos interessados em ouvir a opinião dos que não pensam como nós”.
Acontece que cada um destes temas diz respeito a toda uma sociedade e altera profundamente a vida de milhares de pessoas que não foram ouvidas nem deram mandato a estes senhores deputados para decidirem por elas.
Acontece, também, que as alterações propostas mexem com a vida, os seus limites e o seu horizonte, matéria que julgo ninguém domina em todos os seus contornos.
Acontece ainda que há outros países que começam a ver as consequências da aprovação de leis como esta sem debate nem reflexão. É o caso da Holanda e da Bélgica, onde a eutanásia já é permitida a todos os que por depressão ou simples falta de vontade de viver querem por fim às suas vidas.
Dir-se-á que em Portugal tudo será diferente e que estes são apenas argumentos da facção retrógrada e conservadora da sociedade agitados como papões contra a modernidade.
Se tudo isto fosse uma brincadeira, ou apenas um joguinho de computador, não viria grande mal ao mundo com esta discussão, mas acontece que nesta matéria, ao contrário de qualquer jogo inofensivo, não dá para começar de novo caso haja engano. Se nos enganarmos, o mal está mesmo feito e já não há volta a dar-lhe.

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