As leituras de Lenine

Viriato Soromenho Marques
DN 2016.02.01

Catarina Martins recomendou a António Costa que mantenha firmeza na negociação com Bruxelas. Deu os exemplos de França, Itália e Espanha, que também sofreram críticas da Comissão contra os seus orçamentos. Depois, como fundamento universal, recomendou que não se deve ceder ao medo. Em política, a utilização de receitas éticas universais como guia infalível para a conduta de actores em situações de conflito aberto redunda, invariavelmente, em desastre. A coragem política não é temeridade, mas sim capacidade de avaliar o terreno que se pisa, medir a relação de forças, e agir em conformidade. O que significa, avançar quando possível, recuar quando necessário. Por isso, Jorge de Sena considerava Maquiavel como um moralista prático, alguém que descreve, sem véu, o modo como se vive realmente. Neste caso, a política nua e crua. Num mundo regido pela ética, Lisboa deveria ter, por parte de Bruxelas, igual tratamento ao de Paris, Roma e Madrid. Mas neste mundo da política concreta, com sons estridentes e cores berrantes, cada um recebe o trato que a sua massa e densidade efetivas lhe consentem. Lenine trazia sempre consigo um exemplar do "Da Guerra", o imortal tratado de estratégia de Carl von Clausewitz. Lenine sabia que não só a "guerra é a continuação da política por outros meios", como também que a ação política não pode ignorar as lições da guerra, sobretudo quando se negoceia à beira do abismo. A esquerda marxista clássica lia os grandes livros. Pelo contrário, a nossa doméstica esquerda pós-moderna confunde a bruta e fera realidade, onde se joga o destino pessoal e coletivo de 10 milhões de portugueses, com um teste à sua boa consciência. Nem a tragédia do esmagamento da Grécia do Syriza lhe parece ter ensinado a perceber a desagradável diferença entre virtude e razão de Estado.

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