Mensagem de Páscoa de David Cameron: "Assim como o corpo sem espírito está morto, também a fé sem obras está morta."

José Maria Duque, Nós os poucos, 2015.04.07

Para surpresa dos cristãos da Europa, no Domingo de Páscoa assistimos ao aparecimento de um novo campeão dos cristãos. David Cameron, Primeiro-Ministro do Reino Unido, saudou os súbditos de Sua Majestade e o resto do mundo com uma belíssima mensagem pascal.
No seu discurso o Primeiro-Ministro afirmou que o Reino Unido é um país cristão. 
Lembrou a importância social do Cristianismo e afirmou-se como defensor dos cristãos que neste momento são perseguidos em vários pontos de África e do Próximo Oriente.
O discurso de Cameron foi muito bom. Numa hora em que o Ocidente parece ignorar, quer as suas raízes, quer a perseguição de que os cristãos são alvo em todo o mundo, ver um líder mundial afirmar tão claramente estes factos acende no coração de todos os cristãos uma grande esperança.
Contudo, existem alguns factos que não podemos, nem devemos ignorar, antes de começarmos a apontar para David Cameron como o campeão dos cristãos.
Antes de mais, é preciso não esquecer que no dia 7 de Maio haverá eleições gerais no Reino Unido. E que todas sondagens apontam para uma corrida apertada, sem ser possível ainda descortinar para quem penderá a vantagem: se para os conservadores de Cameron, se para os trabalhistas de Miliband. 
O que parece ser mesmo certo é que nem um nem outro conseguirão deputados suficientes para terem maioria absoluta, nem mesmo com o apoio de Nick Clegg, líder dos Liberais, que governam em aliança com os conservadores.
Sendo que estas eleições têm duas grandes novidades. A primeira é que, fruto do referendo na Escócia, o Partido Nacional Escocês pode vir a eleger até 50 dos 59 deputados da Escócia. Embora isto sejam más notícias para os trabalhistas, que costumavam dominar a Escócia, a verdade é que o PNE poderá eleger deputados suficientes para viabilizar um governo trabalhista, mesmo que estes consigam menos deputados que os conservadores.
A segunda grande novidade é o Partido Independente do Reino Unido, dirigido pelo carismático Nigel Farage, que neste momento se encontra comodamente instalado no terceiro lugar das sondagens, com 15% das intenções de voto. Embora, devido às particularidades dos sistema inglês, deva eleger apenas 5 deputados.
Se para Cameron o problema da Escócia não é um grande transtorno, uma vez que nunca alcançaria um grande resultado nesse lado da ilha, o Partido Independente está a revelar-se uma grande dor de cabeça.
De facto, Nigel Farage tem conseguido ir buscar votos sobretudo junto do eleitorado conservador. Com as suas ideias eurocépticas e anti-imigração, Nigel Farage tem conseguido conquistar muitos dos que hoje se demonstram desencantados com a crescente burocracia politicamente correcta da União Europeia e com a aparente incapacidade dos líderes políticos em lidar com o crescimento do extremismo islâmico na Europa e no resto do mundo.
E é o salto do partido de Farage, para terceira força política do país, que rouba a Cameron a hipótese da maioria absoluta e que poderá roubar a maioria relativa. E assim, o actual Primeiro-Ministro, que chegou aos conservadores com o papel de romper a hegemonia trabalhista dos anos Blair, arrisca-se a ser apenas uma nota de roda pé entre governos do Labour.
É neste contexto que David Cameron fez esta inusitada mensagem pascal. Perseguido pelos socialistas de Ed Miliband, acossado pelos independentes de Nigel Farage, o Primeiro-Ministro decidiu reafirmar o seu cristianismo, assim como o cristianismo do Reino Unido.
Contudo, que cristianismo é este? Segundo o relatório de 2014 da Ajuda à Igreja que Sofre, o Reino Unido é dos setes países da União Europeia onde o estado da liberdade religiosa é preocupante. Em 2015 o Tribunal dos Direitos do Homem deu razão a quatro cidadãos britânicos cristãos que defendiam que o Reino Unido não protegia os seus direitos à liberdade religiosa. De facto, hoje em dia em Inglaterra a grande maioria dos cristãos tem medo de se afirmar como tal, por ter medo de ser descriminado socialmente ou no trabalho.
Para além disso, as leis contra o Discurso de Ódio têm sido usadas contra pregadores que em público falam contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo ou defendem que a homossexualidade é um pecado. Em Julho de 2013 a polícia prendeu um pregador que publicamente referiu a homossexualidade como um pecado.
Para além disto, várias instituições cristãs, tais como escolas ou centros de acolhimento, têm sido multados ou fechados por defenderem a doutrina cristã sobre a sexualidade. Há pouco tempo foram retiradas crianças a uma família de acolhimento por esta se recusar a ensinar a homossexualidade como uma prática normal.
Em 2013 o milionário Barrie Drewitt-Barlow anuncia que vai intentar uma acção legal para que lhe seja permitido casar-se na Igreja de Inglaterra.
Por isso, aparentemente, David Cameron promete defender os cristãos por esse mundo fora, mas nãos se lembrou ainda de defender os cristãos ingleses.
Não pretendo com este texto diminuir o discurso de David Cameron. Foi um bom discurso, que exigiu coragem e, acima de tudo, um discurso muitíssimo necessário. O facto de um líder de um grande país ocidental publicamente relembrar as raízes do ocidente e denunciar a perseguição de que os cristãos têm sido alvo é importantíssimo e não posso deixar de aplaudir esse facto.
Por outro lado, não é minha intenção amesquinhar o discurso do Primeiro-Ministro inglês. O facto de o discurso ser conveniente, de nunca o ter feito antes e de se mostrar impotente para combater a discriminação aos cristãos no seu próprio país, não significa que a mensagem de Cameron não seja sincera ou que não exija coragem. 
Contudo, não alinho numa onda de entusiasmo, que eleva David Cameron a grande líder mundial e defensor da cristandade. Bem sei que o Reino Unido é protestante, e que por isso para eles a Fé basta. Mas eu, como católico, estou como São Tiago: Se um irmão ou irmã estiver necessitando de roupas e do alimento de cada dia e um de vós lhe disser: “Vá em paz, aqueça-se e alimente-se até se satisfazer”, sem porém lhe dar nada, de que adianta isso? Assim também a fé, por si só, se não for acompanhada de obras, está morta.

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