A quem pertence o mundo?

Maria Filomena Mónica
Expresso 3 de abril de 2015

Ainda em surdina nas ruas, mas forte nalguns espíritos, o movimento contra a globalização emerge. Pode um país, qualquer país, prosperar mais e mais depressa com as fronteiras abertas ou fechadas? De novo se pensa na China. Vale a pena introduzir um parênteses histórico. O imperador Zhu (1328/1398) percebeu que, se queria governar, tinha de obter estabilidade num país vastíssimo e alvo de incursões dos reinos que com ele faziam fronteiras. Provavelmente o símbolo mais famoso da sua política foi a construção da Grande Muralha, destinada a impedir a invasão das tribos do norte. Mas isto não significou isolamento. Durante o reino de seu filho Yongle, a Marinha Imperial — comandada pelo eunuco muçulmano Zheng He — atravessou o Oceano Índico, chegando à costa oriental da África. A primeira expedição ocorreu em 1405, ou seja, dezoito anos antes das viagens promovidas pelo Infante D. Henrique. Depois, é verdade, verificou-se um recuo: havia quem afirmasse que as expedições eram demasiado caras e contrárias ao espírito de Confúcio. Foi então que as descobertas marítimas passaram para as mãos dos europeus. Em 1514, algumas caravelas portuguesas chegavam a Cantão, junto do rio das Pérolas.
“Não basta ir para cima de um caixote berrar contra a globalização”
Passaram-se cinco séculos. Excepto para os maoistas, os chineses eram vistos como a escória da Humanidade. Entre 1958 e 1961, o proteccionista Grande Salto em Frente de Mao saldou-se num dos maiores desastres da História Moderna. Um dia, chegou Deng Xiaoping, que, nas décadas de 1980/90, promoveu a política de liberalismo económico que explica o crescimento a que estamos a assistir. Fabricando coisas e vendendo-as ao estrangeiro, a China está prestes a dominar a economia mundial. Em 1990, segundo “The Economist” (14/3/2015), a China produzia menos do que 3% da indústria mundial; o seu quinhão é hoje de um quarto. A China fabrica 80% de todos os ares condicionados existentes, 70% dos telemóveis e 60% dos sapatos. Como se o tamanho do seu mercado interno não fosse suficiente, o mundo está a cair-lhe no regaço. E não são apenas eles que praticam salários baixos: os vizinhos fazem-no e em maior escala. Está em vias de nascer um mundo chamado ‘Factory Ásia’.
Deixo para o fim a questão mais importante. Que dizer da relação da Europa com este colosso? Ou, antes, o que deve Portugal fazer em relação aos produtos chineses e aos que importa do mundo inteiro? Se fosse possível fazer a experiência, colocaríamos, durante trinta anos, um grupo de portugueses, fechadinho dentro das fronteiras, e ao lado, homens abertos à concorrência internacional. Aposto que, no final, encontraríamos um bando de saloios, comendo pão bolorento, e do outro, um grupo de gente, ainda pobre, mas que já poderia gozar dos produtos que o progresso tecnológico ofereceu à Humanidade. Claro que nada disto é simples: não basta ir para cima de um caixote berrar contra a globalização ou vice-versa. Portugal, e evidentemente a Europa, tem de olhar a China com olhos firmes e frios, o primeiro passo para se alcançar um bom tratado comercial.

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