Os políticos deviam ser proibidos de fazer promessas
José Manuel Fernandes
Observador | 15/4/2015, 7:3727
Vamos ter de nos habituar a viver com pouco crescimento económico, o que significa que não há espaço para fazer promessas ou alimentar expectativas. Com ou sem austeridade, o tempo não volta para trás
A campanha eleitoral ainda vem longe, mas começa a notar-se o nervosismo à esquerda e à direita. António Costa, apesar de ter a sua equipa a fazer contas e a testar cenários, já fez algumas promessas concretas (descer o IVA da restauração, por exemplo) e tem garantido que vai “inverter a política de austeridade”. Paulo Portas pediu no último fim de semana que dêem uma oportunidade à actual maioria para governar sem ser em período de aflição, o que é mais ou menos o mesmo que dizer que se deseja regressar aos “bons velhos tempos”. E até Passos Coelho, sempre mais comedido, permitiu uma fuga de informação onde se fala, de novo, de uma redução da TSU paga pelos empregadores, desta vez sem aumento da contribuição dos trabalhadores.
A pouco e pouco, como já aqui referi, vai-se instalando o ambiente de que se pode voltar atrás no tempo, a essas décadas descontraídas em que os políticos rivalizavam nas promessas que faziam, juravam que elas custariam pouco dinheiro e depois acabavam sempre a gastar mais do que previam e a cumprir menos do que o prometido.
A ladainha que está por trás desta inflexão é a convicção de que voltámos a tempos de crescimento económico, logo de alívio do cinto que tanto nos aperta a barriga. Lamento ser desmancha prazeres, mas não me parece que isso vá suceder. Ou mesmo que isso possa suceder.
É verdade: Portugal está de novo a crescer, e a Europa também. Nada de muito espectacular, mas mesmo assim algum crescimento e até o FMI se mostra um pouco mais optimista. No entanto, se olharmos para os números com frieza, é fácil perceber como tudo está preso por arames. Primeiro, porque o petróleo não pode baixar mais do que já baixou, nem se prevê que o euro possa desvalorizar muito mais do que já desvalorizou. Depois porque, mesmo vigorosa, a famosa política de quantative easing do Banco Central Europeu tem limites e subsistem dúvidas sobre a sua real eficácia a médio prazo. Por fim, goste-se ou não de o dizer, a verdade é que as reformas necessárias para tornar as economias do sul da Europa mais amigas do crescimento estão longe de estar todas realizadas em muitos países, a começar pela França.
Seja lá como for, quando analisamos este tipo problemas ou mesmo quando discutimos a falsa dicotomia “austeridade vs crescimento”, estamos a falar da conjuntura. Estamos a falar do tempero, não estamos a olhar para o conduto. É que o problema de fundo é bem mais complexo e anda a dar a volta à cabeça aos economistas. Podemos enunciá-lo assim: será que chegámos a um período de baixo crescimento, ou mesmo ausência de crescimento, que se prolongará por muitos anos? Haverá alguma coisa que possa ser feita contra isso?
Não parece haver doutrina segura sobre o que temos pela frente. Quem segue com alguma atenção o debate na imprensa internacional da especialidade já ouviu por certo falar da “secular stagnation”, como lhe chama o antigo secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Lawrence Summers. Já Ben Bernanke, que foi presidente da Reserva Federal (o equivalente ao nosso BCE), entende que o problema é um excesso de poupança por comparação com o investimento. Não sou economista e não vou, por isso, entrar neste debate, mas tendo a subscrever a conclusão de Wolfgang Münchau: a evolução recente da economia desafia as ferramentas de análise que, consensualmente, têm vindo a ser utilizadas pelos macroeconomistas. Em causa estarão os complexos modelos conhecidos na gíria da profissão como DSGE (dynamic stochastic general equilibrium), modelos que, de alguma forma, tinham conseguido superar as grandes discussões ideológicas do século XX.
Eu que, repito, não passo de um leigo nesta matéria, tiro mesmo assim três conclusões do que tenho lido sobre este debate. A primeira é que há uma boa explicação para os falhanços dos modelos de previsão da evolução das economias, falhanços que tanto nos surpreenderam a nós, portugueses, como às mais poderosas instâncias internacionais, e essa boa explicação é que esses modelos não estão a conseguir integrar uma parte da realidade económica. A segunda conclusão é que, face a uma evolução da realidade que se tornou muito menos previsível, é totalmente fútil, para não dizer enganadora, a discussão sobre os famosos “multiplicadores” que tanto entreteve alguns dos nossos economistas e boa parte da nossa classe política. E a terceira é que se Keynes fosse vivo estaria hoje provavelmente a mudar de ideias, seguindo a sua máxima de que “quando a realidade económica muda, as minhas convicções académicas também mudam.”
Em síntese: ninguém sabe bem por que é que a economia – portuguesa, europeia, mundial – se está a comportar de uma forma que desafia os modelos estabelecidos, pelo que ninguém pode, com honestidade, propor “soluções”. Estamos num tempo da tentativa e erro, e a minha inclinação é que, pelo menos no Ocidente desenvolvido, estamos também a entrar numa fase de prolongada estagnação económica.
A meu ver isso acontece por várias razões, sendo que a maior parte delas (para não dizer quase todas) não tem solução política ou mezinha financeira. Não há forma de reverter a demografia e de evitar sociedades cada vez mais envelhecidas. Não há forma de levar as pessoas a consumirem mais, ou as empresas a investirem mais, endividando-se, quando muitas delas já estão demasiado endividadas. Não há forma de reverter a pressão para o aumento constante dos gastos com o “estado social” (nos anos do pavoroso “neoliberalismo”, isto é, de 1990 para hoje, o aumento, em relação ao PIB, dos gastos sociais em praticamente todas as sociedades desenvolvidas foi de quatro a sete pontos percentuais, o que não está mal quando tanto de fala de “Estado mínimo”). E é muito difícil imaginar que os ganhos de produtividade no mundo desenvolvido sejam suficientes para conter as consequências dos ganhos de produtividade que estão a ocorrer no mundo em desenvolvimento.
Mais: temo que a descida do preço do petróleo possa constituir uma ilusão tão perigosa como a ilusão que a descida das taxas de juros teve sobre economias como a nossa. Sendo que, ao mesmo tempo, apesar de todas as inovações, a tendência de fundo é para os preços da energia subirem, não para descerem, e todo o nosso mundo se baseia num consumo crescente de energia.
Podia continuar por aqui adiante, mas acho que não é necessário. O crescimento que as nossas sociedades conseguirem gerar nos próximos anos, porventura nas próximas décadas, dificilmente dará para continuarmos a cumprir as obrigações (revistas em baixa) dos sistemas sociais de proteção na velhice, para pagar os custos crescentes da saúde, para contermos ou revertermos o crescimento da dívida ou para investir o suficiente para criar emprego e enfrentar a nossa maior chaga social – nossa e de quase toda a Europa, o desemprego estrutural e duradouro.
É por isso que os políticos não deviam criar expectativas e muito menos acreditar que será espalhando o optimismo entre os consumidores (e eleitores) que passaremos, num passe de mágica, da “austeridade” para a “prosperidade”, ou da depressão para o crescimento. É certo que não precisam de dizer aos seus eleitorados que só podem prometer “sangue, suor e lágrimas”, mas compete-lhes ser moderados e realistas para evitar que cheguemos um dia a esse extremo. E digo isto mesmo não subscrevendo o pessimismo de um Günter Grass sobre, por exemplo, a iminência de uma III Guerra Mundial.
Políticos que, mesmo que em doses diversas, não apenas acreditam, como exploram a ideia de que é necessário fazer subir, com promessas, as expectativas dos eleitorados, não são apenas desastrados ou irresponsáveis, podem também transformar-se em coveiros da democracia. O nosso tempo não é esse, é antes o da pedagogia tranquila e o dos pés bem assentes na terra. E o tempo, como se sabe, não volta para trás.
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