Decidir
Inês Dias da Silva | 2015.04.30
É preciso ter sangue frio para decidir por outro. Ponderamos os prós, os contras, os nossos interesses pessoais à mistura porque normalmente não os conseguimos calar, e mais ou menos objectivamente, tentamos decidir pelo bem do outro. Às vezes conseguimos e outras vezes nem por isso.
Hoje de manhã, por exemplo, o meu filho de 6 anos teve dispensa para chegar mais tarde às aulas por ter participado ontem até tarde num espetáculo da escola. Eu pensei que seria bom ele descansar mais, Deus sabe como foi bom para mim. Acabei por o levar duas horas mais tarde, aborrecido comigo e preocupado pela aula que estava a perder.
Graças a Deus não tive ainda que decidir se uma criança de 12 anos deve abortar ou não uma criança fruto de abuso. Mas já tive que decidir se um filho meu deveria ter apoio ventilatório em contexto de várias infecções respiratórias tendencialmente fatais. Havia pressa para decidir, já que o miúdo estava em agonia, ouvimos com abertura a opinião médica expressa na altura e em comissão conjugal, decidimos.
Mas assumo que não é fácil. O que é que é melhor? Viver em agonia respiratória os anos seguintes, sempre ligado a uma garrafa de oxigénio e a um ventilador, ou morrer e não respirar de todo. Pensando bem, a segunda hipótese seria provavelmente mais conveniente para todos. Eu poderia voltar a trabalhar fora de casa, coisa que gosto muito de fazer e deixei para cuidar do meu filho. Já podiamos ir fazer aquela viagem com os mais velhos, sem preocupações. E o nosso filho já não tinha que estar doente e seria uma "estrelinha no céu" sempre connosco, porque nós assim decidimos.
No entanto, o nosso filho sobrevive ainda. Não voltei a trabalhar, não fizémos a viagem, e hoje estou junto à cama dele, junto à sua rampa de Oxigénio, junto ao seu ventilador, em mais um dos seus inúmeros internamentos no Hospital de Santa Maria, 9 pisos acima de onde a menina de 12 anos receberá a solução que os médicos decidiram para o seu problema dramático. Aqui no 8o piso, encontram-se crianças doentes crónicas a lutar pela sua vida. Uma vida com limitações e dependēncias, no entanto as crianças continuam a lutar por ela, com um esforço inimaginável. Cá em cima a Comissão dos Doutores ainda não foi chamada a decidir. Os pais tão pouco. São as crianças que decidem, e enquanto tēm forças para lutar, decidem sempre pela vida. E isto edifica e esclarece os adultos. Mas apenas os adultos que as acompanham, que caminham com elas, e que por isso aprendem com elas a tomar decisões cada vez mais acertadas.
A Comissão decidiu ontem pela menina de 12 anos pela primeira vez, temos afinal que lhes dar o desconto, se decidirem menos bem. O tempo dirá. Mas arrisco a dizer que a Comissão não estará lá para aprender, quando o tempo disser. Estará a mãe, estará com algum azar da menina, o mesmo padrasto, estaria lá o Apoio à Vida, se fosse chamada a sua intervenção.
Hoje aprendi com o meu filho de 6 anos que não devo nunca decidir pelo seu atraso aos compromissos. Já o devia saber. Hoje decidi mal. Para a próxima decidirei melhor.
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